quarta-feira, 27 de agosto de 2008

OBLOMOV



Alguns dias na vida de Oblamov” (1979-Nikita Mikhalkov) traça-nos um quadro melancólico da vida de um preguiçoso, dotado do melhor coração do mundo. Das primeiras cenas, em que somos levados com demasiada facilidade ao desprezo dum modo quase vegetativo de viver, entramos na verdadeira intimidade deste personagem terno e inteligente que se transfigura ao contacto da amizade e do amor.

O amigo Soltz, em tudo tão oposto no temperamento e no carácter a Oblamov consegue despertar o eterno dorminhoco, mostrá-lo nos salões, levá-lo a passear e a viver. Oblamov, que não gosta de música, fica trespassado pela “casta diva” cantada por Olga, a brilhante descoberta do seu amigo. O romance que esta mulher sabe fazer viver por inspiração de Soltz nunca se saberia o que representava finalmente para ela, se não fosse a cena das lágrimas desastradamente presenciada. Oblamov compreende que o amigo arriscara o seu amor por amizade e que não tem o direito de se mostrar ferido por Olga contar com zelo de discípula ao alemão os progressos no amor do preguiçoso.

Entre os dois homens há uma corrente forte que os liga à infância comum e aos sentimentos populares. E aquele que triunfa na vida segundo a opinião, o que viaja e conquista os corações femininos não é o mais feliz dos dois. Há uma sabedoria acima do tempo – é delicioso o diálogo sobre a política que trava com o hóspede incondicional, espécie de testemunha amorosa do oculto na lentidão de Oblamov – nesta figura do romance de Gondartchevsky. E o que mais impressiona é o quanto todos precisavam da sua presença e da sua simplicidade para encontrar um clima de felicidade. O espectador caminha desta forma, do leito amarrotado e informe para o céu de Platão.

A infância num país que vive ao ritmo das estações e conhece os prazeres do sono e do convívio moroso mas fiel, onde se vê o dono da casa beijar o servo que contou uma história. Nada se passa, mas tudo cresce e morre, tudo se renova sem vã agitação. A sesta feliz de amos e criados é todo um olhar sobre a política e a paixão do dinheiro e do poder. Oblamov não casa com Olga, mas foi o único que soube viver o verdadeiro amor e despertá-lo num coração cheio de literatura.

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