"Sacudi o suor e o sol. Compreendi que tinha
destruído o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional duma praia onde já fora
feliz. Então, disparei ainda quatro tiros sobre um corpo inerte em que as balas
nem pareciam se enterrar. E era como quatro breves golpes com que batia à
porta da desgraça."
"L'étranger" (Albert Camus)
A primeira escaramuça entre os dois grupos foi racial. Um
dos seus amigos levara uma facada superficial. Agora Meursault, voltando à
praia, encontra um dos árabes estendido na areia e a um gesto seu, mal
interpretado, a cintilação da faca precipita tudo.
Quem provocou quem no primeiro encontro? Quem sacou da
lâmina e quem disparou por fim? O estrangeiro é este corpo que se diz
pertencer-nos.
Em "Era uma vez na Anatólia" (Nuri Ceylan), um
homem, sob a influência do álcool, gaba-se de ser o pai do filho do outro e,
depois duma breve luta (quem estaria mais bêbedo?) o ofendido acaba por ser
enterrado vivo junto a uma fonte na estepe.
Contrastando com a conversa casual entre os polícias ou
aquela que entretêm entre si o procurador e o médico, há a linguagem dos
relatórios, um, feito depois da exumação e o outro durante a autópsia. Nesta linguagem,
procura-se deixar-se a vida de fora.
Para se fazer justiça, começa-se por parar tudo, apagar a mínima centelha. A
"objectividade" é um aparelho de simplificação, com vista a permitir
uma decisão. Um ordálio científico.
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