domingo, 6 de maio de 2012

O FLAUTISTA



"(...) aquele que fala muito alivia a pena do outro gota a gota, como a chuva descarrega a electricidade duma nuvem. É o adoçamento bem conhecido do desgosto pela expressão."

"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)



Porque a expressão já é um trabalho sobre a paixão, já é fazer alguma coisa com ela, o que nos livra do tumulto interior. Mais uma vez, a metáfora da "República" platónica nos é útil. A sedição das entranhas, como dizia Émile Chartier, tem um remédio que é a acção.

Mas no caso referido por Ulrich do  romance de Musil, o que fala não é o próprio, o que sente a sua miséria. A paixão, aqui, parece que é conduzida pela fala dum outro. Este actua como um maestro (desde que não seja o do "Ensaio de Orquestra" de Fellini), ou como o flautista do conto dos Grimm, levando os ratos para fora da cidade.

Há pessoas que precisam duma televisão ligada para não se escutarem a si próprias. Mas, voltando à "República", quem fala é a "cidade" amotinada.

0 comentários: