"(...) aquele que fala muito alivia a pena do outro
gota a gota, como a chuva descarrega a electricidade duma nuvem. É o adoçamento
bem conhecido do desgosto pela expressão."
"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)
Porque a expressão já é um trabalho sobre a paixão, já é
fazer alguma coisa com ela, o que nos livra do tumulto interior. Mais uma vez,
a metáfora da "República" platónica nos é útil. A sedição das
entranhas, como dizia Émile Chartier, tem um remédio que é a acção.
Mas no caso referido por Ulrich do romance de Musil, o que fala não é o próprio,
o que sente a sua miséria. A paixão, aqui, parece que é conduzida pela fala dum
outro. Este actua como um maestro (desde que não seja o do "Ensaio de
Orquestra" de Fellini), ou como o flautista do conto dos Grimm, levando os
ratos para fora da cidade.
Há pessoas que precisam duma televisão ligada para não se
escutarem a si próprias. Mas, voltando à "República", quem fala é a
"cidade" amotinada.
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