"'Noventa e três' pretende ser, não a história
daquilo que alguns homens fizeram, mas a história daquilo que a História
obrigou aqueles homens a fazer, independentemente da sua vontade, com
frequência minada por contradições."
(Umberto Eco,
"Hélàs, Hugo")
No "Noventa e três" (trata-se, como diz Eco, o 'annus
horribilis' da Revolução Francesa), há uma cena de tempestade no Canal da
Mancha em que um canhão se solta das amarras e arromba tudo que encontra dum
bordo a outro. Que melhor imagem da Revolução do que esta massa terrível,
escapada às mãos dos homens e entregue às inflexíveis leis da física?
Esta peça de artilharia à solta foi desviada dos seus
fins (destinava-se a apoiar a rebelião vendeana) por um acaso imprevisível,
acabando por dar uma ajuda preciosa aos jacobinos.
Eco distingue na situação os actores que agem segundo um
guião explícito, mas não sem contradições, naturalmente, e os actantes, aqueles
que representam a "Mão Direita" (termo hugoliano), ou a própria
história com h grande, sem terem consciência disso.
Em Vitor Hugo, para lá dos detalhes e das peripécias, a
História escreve "direito por linhas tortas", tal como Deus ou a
Ideia hegeliana.
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