sexta-feira, 4 de maio de 2012

O CANHÃO



"'Noventa e três' pretende ser, não a história daquilo que alguns homens fizeram, mas a história daquilo que a História obrigou aqueles homens a fazer, independentemente da sua vontade, com frequência minada por contradições."

 (Umberto Eco, "Hélàs, Hugo")



No "Noventa e três" (trata-se, como diz Eco, o 'annus horribilis' da Revolução Francesa), há uma cena de tempestade no Canal da Mancha em que um canhão se solta das amarras e arromba tudo que encontra dum bordo a outro. Que melhor imagem da Revolução do que esta massa terrível, escapada às mãos dos homens e entregue às inflexíveis leis da física?

Esta peça de artilharia à solta foi desviada dos seus fins (destinava-se a apoiar a rebelião vendeana) por um acaso imprevisível, acabando por dar uma ajuda preciosa aos jacobinos.

Eco distingue na situação os actores que agem segundo um guião explícito, mas não sem contradições, naturalmente, e os actantes, aqueles que representam a "Mão Direita" (termo hugoliano), ou a própria história com h grande, sem terem consciência disso.

Em Vitor Hugo, para lá dos detalhes e das peripécias, a História escreve "direito por linhas tortas", tal como Deus ou a Ideia hegeliana.


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