"Robespierre, Saint-Just e o seu partido sucumbiram
porque confundiram a sociedade de democracia realista da antiguidade, baseada
na escravatura real, com o Estado representativo moderno de democracia
espiritualista que se baseia na escravatura emancipada, na sociedade burguesa.
Ser obrigado a reconhecer e a sancionar, nos direitos do homem, a sociedade
burguesa moderna, a sociedade da indústria, da concorrência universal, dos
interesses privados que perseguem livremente os seus fins, este regime de anarquia,
do individualismo natural e espiritual tornado estranho a si mesmo; querer ao
mesmo tempo anular, depois disto, para este ou aquele indivíduo particular as
manifestações vitais desta sociedade pretendendo moldar à antiga a cabeça
política desta sociedade: que erro colossal!"
"La Sainte Famille" (Karl Marx e Friedrich
Engels)
Esta ilusão dos revolucionários de 1789, em França, que
pretendiam transpor para a actualidade as "virtudes romanas", foi, na
verdade, uma grande força moral contra a sociedade dos privilégios dominada
pela aristocracia. Nem se consegue imaginar por que se poderia substituir esse
modelo, quando o messianismo operário estava ainda à espera do desenvolvimento
industrial.
Marx lembra as palavras de Saint-Just: " O mundo
está vazio desde os Romanos; e a sua memória enche-o e profetiza ainda a
liberdade." Este estranho esquecimento da escravatura entre os Romanos por
parte do "ideólogo" da Revolução Francesa, quando se invoca a memória
do império sob o signo da liberdade, parece trair o pensamento burguês sobre
aquilo que Marx chama de "escravatura emancipada".
A "idealização" da história romana vai de par
com a "espiritualização" da democracia. Tudo parece, assim, dar razão
a uma leitura da história baseada nos interesses reais, em que as ideias se
arranjam como podem.
Ora, os interesses são calculáveis e previsíveis. A nossa
sociedade e a história do mundo poderiam ser bem mais racionais se isso fosse
verdade.
Mas as "virtudes romanas" que Saint-Just quis
praticar até ao fanatismo e que, até certo ponto, serviram a causa não devem
nada à razão.
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