segunda-feira, 7 de maio de 2012

AS LISTAS

Tarkowsky, nas filmagens de "Stalker"


"Hugo, estou seguro disso, sabia que os leitores haveriam de saltar aquelas páginas (...) "

"Hugo, hélàs" (Umberto Eco)



Eco refere-se às longas enumerações, à lista dos deputados da Convenção Nacional, por exemplo. A razão para se "encher" assim algumas páginas do "Quatrevingt-treize" seria a de produzir no leitor um efeito de grandeza incomensurável, de sublime. Hugo resume esse sentimento numa frase: "Há o Himalaia e há a Convenção." (ibidem) É um caso em que a forma vazia (o conteúdo não é para ler, é para "saltar") desempenha um papel "subversivo", porque não pode ser legitimado pela literatura ( a grande, por ser uma espécie de truque, a pequena porque contraria o "rendimento" da escrita ).

Como não faltam, no leitor actual, (des)educado pelos écrãs, as tentações para ler "salteadamente" ou preferir um "digest" meio mastigado, o método seguido nas listas hugolianas, segundo Eco, é muito arriscado para qualquer romancista.

Com isso e com a impaciência dos tempos, a escrita fugirá não só às listas, como às serpentinas proustianas e aos tempos de preparação clássicos. Alain, num célebre ensaio, analisa os rodeios de Balzac para nos apresentar o vale onde vai decorrer a acção dum dos seus mais conhecidos romances, "Le lys dans la vallée". Esse tempo é necessário para criar o espaço, como em côncavo, em que as personagens vão evoluir.

Tudo isso se perde com o método "cinematográfico". Diz-se muitas vezes que há livros que parecem ter sido escritos para o cinema, mas talvez se devesse dizer que essa é mais a regra,  inconsciente ou não, na nova escrita.

Por outro lado, um cineasta como Andrei Tarkowski, claramente contra a corrente, compraz-se, para o gáudio de alguns, como eu, em impor aos seus filmes um tempo romanesco.

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