Tarkowsky, nas filmagens de "Stalker" |
"Hugo, estou seguro disso, sabia que os leitores
haveriam de saltar aquelas páginas (...) "
"Hugo, hélàs" (Umberto Eco)
Eco refere-se às longas enumerações, à lista dos
deputados da Convenção Nacional, por exemplo. A razão para se
"encher" assim algumas páginas do "Quatrevingt-treize"
seria a de produzir no leitor um efeito de grandeza incomensurável, de sublime.
Hugo resume esse sentimento numa frase: "Há o Himalaia e há a
Convenção." (ibidem) É um caso em que a forma vazia (o conteúdo não é para
ler, é para "saltar") desempenha um papel "subversivo",
porque não pode ser legitimado pela literatura ( a grande, por ser uma espécie
de truque, a pequena porque contraria o "rendimento" da escrita ).
Como não faltam, no leitor actual, (des)educado pelos
écrãs, as tentações para ler "salteadamente" ou preferir um
"digest" meio mastigado, o método seguido nas listas hugolianas, segundo
Eco, é muito arriscado para qualquer romancista.
Com isso e com a impaciência dos tempos, a escrita fugirá
não só às listas, como às serpentinas proustianas e aos tempos de preparação
clássicos. Alain, num célebre ensaio, analisa os rodeios de Balzac para nos
apresentar o vale onde vai decorrer a acção dum dos seus mais conhecidos
romances, "Le lys dans la vallée". Esse tempo é necessário para criar
o espaço, como em côncavo, em que as personagens vão evoluir.
Tudo isso se perde com o método "cinematográfico".
Diz-se muitas vezes que há livros que parecem ter sido escritos para o cinema,
mas talvez se devesse dizer que essa é mais a regra, inconsciente ou não, na nova escrita.
Por outro lado, um cineasta como Andrei Tarkowski,
claramente contra a corrente, compraz-se, para o gáudio de alguns, como eu, em
impor aos seus filmes um tempo romanesco.
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