quarta-feira, 23 de maio de 2012

GERMES DO PODER

Elias Canetti (1905/1994)


"O momento em que um ser humano sobrevive a outro é um momento 'concreto', e acredito que a experiência deste momento tem consequências muito graves. Penso que esta experiência está encoberta pela convenção, pelo que cada um 'deve' sentir quando se tem a experiência da morte de um outro ser humano, mas por detrás disto esconde-se um certo sentimento de satisfação, e a partir deste sentimento de satisfação, que até pode ser de triunfo - como no caso de um combate - algo de muito perigoso pode surgir, se ocorrer mais frequentemente e se se acumular. Esta experiência da morte de um outro ser humano, perigosamente acumulada, é, acredito, um germe muito essencial do poder."

(Elias Canetti, num debate com Theodor Adorno)




A morte repetida, banalizada, torna-se abstracta. É o que acontece às imagens de morte que o tele-jornal nos "serve" à hora das refeições, sem que se saiba de algum tele-espectador que tenha apresentado a conta da sua consulta de estomatologia.

O mais sensível dos homens, ao sentar-se na cadeira do governante, tem de adquirir a perspectiva que é necessária à sua função. Essa perspectiva, no melhor dos casos, assemelha-se à vista a partir de um planalto, em que os habitantes da aldeia vizinha parecem mais formigas do que homens. É a "bagagem" do que assim perspectiva que lhe permite fazer a correcção necessária. Por regra, a bagagem não chega.

No pior dos casos, o governante é atingido de 'gigantismo', mais ou menos disfarçado, nas suas relações com a 'termiteira'. Esmaga sem se dar conta, atento apenas à sua recondução.

O poder é, assim, mais do que um afrodisíaco, um triunfo ilusório sobre a morte. Negando a realidade dos outros, negamos também o destino comum.

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