"Os detidos gozavam de uma liberdade relativa no
interior dos muros da prisão. Mas quando um certo limite mal traçado era
ultrapassado, a administração recorria à força armada. Vérechtchak conta como em 1909 (ele quer dizer 1908,
evidentemente), no domingo de Páscoa, uma companhia do regimento Salyan
espancou todos os prisioneiros políticos sem excepção, forçando-os a passar
entre duas fileiras de soldados. 'Koba avançou sob as coronhadas sem baixar a
cabeça, com um livro nas mãos. E quando os golpes começaram a chover de todos os lados, Staline
forçou a porta da sua célula com um balde, apesar da ameaça das baionetas.'
Este homem, habitualmente auto-controlado, era capaz, se bem que raramente, de
se entregar a uma cólera extrema. O 'historiador' de Moscovo Iaroslavsky
corrige Vérechtchak : 'Staline passou entre as fileiras de soldados lendo
Marx... ' O nome de Marx é introduzido aqui pela mesma razão que uma rosa é
colocada na mão da Virgem. Toda a historiografia soviética é feita de rosas
deste género. Koba com 'Marx' sob as coronhadas tornou-se o objecto da ciência,
da prosa e da poesia soviéticas."
"Staline" (Leo Trotsky)
O livro nas mãos de Koba podia ser mesmo Marx. É
verosímil que a doutrina fosse mais necessária a um preso como ele do que um
romance, por exemplo. Mas o arqui-inimigo de Staline não deixa passar a
tentativa hagiográfica do historiador de Moscovo.
Fazia mais efeito, de facto, se o futuro líder não
tivesse distracções burguesas, e Iaroslavsky, em nome da precisão histórica,
descobriu a rosa, como lhe chama o biógrafo.
Quando, já no auge do seu poderio, Staline faz
desaparecer das fotografias históricas algumas personagens essenciais (entre
elas, o próprio Trotsky), corrige os factos, tal como Iaroslavsky, para apagar mais do que as "rosas" dos outros.
Mas o chamado "culto da personalidade",
alegadamente responsável por estas encenações, é apenas um dos lados da
questão. É preciso compreendê-lo como um mito de guerra (e de poder), na
tradição da autocracia russa, o que explicaria a genuína emoção popular na
ocasião da morte do "Pai dos Povos".
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