quarta-feira, 21 de março de 2012

A ROSA NA MÃO DA VIRGEM



"Os detidos gozavam de uma liberdade relativa no interior dos muros da prisão. Mas quando um certo limite mal traçado era ultrapassado, a administração recorria à força armada. Vérechtchak conta como em 1909 (ele quer dizer 1908, evidentemente), no domingo de Páscoa, uma companhia do regimento Salyan espancou todos os prisioneiros políticos sem excepção, forçando-os a passar entre duas fileiras de soldados. 'Koba avançou sob as coronhadas sem baixar a cabeça, com um livro nas mãos. E quando os golpes  começaram a chover de todos os lados, Staline forçou a porta da sua célula com um balde, apesar da ameaça das baionetas.' Este homem, habitualmente auto-controlado, era capaz, se bem que raramente, de se entregar a uma cólera extrema. O 'historiador' de Moscovo Iaroslavsky corrige Vérechtchak : 'Staline passou entre as fileiras de soldados lendo Marx... ' O nome de Marx é introduzido aqui pela mesma razão que uma rosa é colocada na mão da Virgem. Toda a historiografia soviética é feita de rosas deste género. Koba com 'Marx' sob as coronhadas tornou-se o objecto da ciência, da prosa e da poesia soviéticas." 


"Staline" (Leo Trotsky)



O livro nas mãos de Koba podia ser mesmo Marx. É verosímil que a doutrina fosse mais necessária a um preso como ele do que um romance, por exemplo. Mas o arqui-inimigo de Staline não deixa passar a tentativa hagiográfica do historiador de Moscovo.

Fazia mais efeito, de facto, se o futuro líder não tivesse distracções burguesas, e Iaroslavsky, em nome da precisão histórica, descobriu a rosa, como lhe chama o biógrafo.

Quando, já no auge do seu poderio, Staline faz desaparecer das fotografias históricas algumas personagens essenciais (entre elas, o próprio Trotsky), corrige os factos, tal como Iaroslavsky,  para apagar mais do que as "rosas" dos outros.

Mas o chamado "culto da personalidade", alegadamente responsável por estas encenações, é apenas um dos lados da questão. É preciso compreendê-lo como um mito de guerra (e de poder), na tradição da autocracia russa, o que explicaria a genuína emoção popular na ocasião da morte do "Pai dos Povos".

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