terça-feira, 27 de março de 2012

O MOSCARDO

Júpiter e Io (Correggio)


"Oistros, o moscardo que atormenta os bois, é a potência mais evasiva, e no entanto omnipresente, entre aquelas que governaram os Gregos."

"Les noces de Cadmos et Harmonie" (Roberto Calasso)


Que um insecto possa ter-se tornado um formidável operador mitológico diz muito sobre o espírito anti-sistemático dos Gregos.

Não é só que a hierarquia, apesar de tudo existente, entre os deuses do Olimpo careça da perfeição piramidal (os irmãos dividem o poder entre si, sob a férula mais do que complacente de Zeus). O imponderável, o ser mais ínfimo podem tanto servir o desígnio de uma divindade contra outra, como confundir o próprio "pai dos deuses", que, com a melhor das graças, reage como se reconhecesse uma justiça superior à sua.

A etapa histórica seguinte, com o monoteísmo, poria fim às diferentes "comarcas" da Razão. As contradições deixaram de ser o resultado de disputas entre iguais, mas o sintoma de um problema para resolver, um defeito da lógica.

Uma ideia como a do Limbo ou a do Purgatório exprimem a nova situação em que já nada escapa ao inventário.

Mas a história do moscardo que, por vingança de Hera, perseguiu Io até ao Egipto, e que com isso mudou a face dos continentes, é hoje, tal como ontem, um bom símbolo do que nem a razão nem o poder podem explicar.
 

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