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"A mentira salta aos olhos, não há nariz humano que
não cheire imediatamente, infalivelmente, o subtil perfume de independência, de
hábito de mandar, de hábito de escolher em todo o lado o que há de melhor, de
ligeira misantropia, de responsabilidade consciente, que se exala de um
rendimento sólido e considerável."
"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)
O sentimento de classe é, pois, a coisa mais natural. E o
dinheiro tem a sua hierarquia (dessacralizante), como o poder tem. Basta ler
qualquer romance russo da grande época, para perceber esta zoologia de
"grandes e pequenos animais", como dizia La Fontaine.
A misantropia é uma reacção a implícitos valores que o
"status quo" ofende (como quando as pessoas se zangam por lhe dizerem
as verdades), mas que só se faz sentir nas transições. Quem "nasce num
berço de ouro" é naturalmente insensível ao efeito que produz nos
"narizes" mais sensíveis.
Nesse ponto, a misantropia é de tal modo inconsciente que
a classe, nessas pessoas, é tocada pela
"graça" das coisas espontâneas. E é preciso um
"espeleólogo" empenhado como Proust para observar a diferença entre o
duque e o príncipe de Guermantes, em matéria de snobismo.
Se a natureza tem horror ao vazio, a sociedade tem horror
à simplicidade do abstracto. As utopias são, num certo sentido, máquinas do
nosso pensamento. É por isso que existe uma igualdade mecânica que só poderia
funcionar dentro duma engrenagem maior do que ela, e com a mesma ausência de
espírito.
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