"O silêncio de imediato caiu na sala; todos olharam
para o príncipe como se não compreendessem nem esperassem compreender."
"O idiota" (Fyodor Dostoiewsky)
O príncipe Myshkin é uma personagem apaixonante. As
pessoas referem-se ao que chamam a sua 'simplicidade' (mas no sentido
negativo), às vezes, com afecto, chamam-lhe rotundamente idiota. Myshkin nunca
se ofende e parece concordar que não está no seu lugar neste mundo e que os
outros estão sempre melhor informados. Com isto, toma partido muitas vezes,
quando os sentimentos estão em causa, mas de um modo tão 'naïf' que agrava
quase sempre a situação. Sente uma alegria verdadeira, quando pensa ter
contribuído para tornar o mundo um bocadinho melhor (quando põe as pessoas de
bem umas com as outras) e expressa-a
como uma criança, sobretudo, quando nunguém o está a ver.
O príncipe esteve alguns anos num sanatório suiço a
tratar a sua epilepsia e regressou com vinte e sete anos a S.Petersburgo. Mas é
claro que Myshkin não é como o Pierre Bezuhov de Tolstoi que, quando chega da
sua educação europeia, se mostra igualmente desastrado no salão de Anna
Pavlovna. Suspeitamos que a bondade daquele seja, de facto, o resultado duma
deficiência cerebral. Pelo menos, é assim que os outros consideram o caso (com
excepção, talvez, das duas mulheres - Anastassya e Aglaya -que não sabem se é
amor o que sentem, nem o que fazer com esse sentimento).
É claro que ele não sabe o que quer e que é alguém de
extremamente influenciável (quase na fronteira do Zelig de Woody Allen).
Assim, o maior mistério da novela de Dostoiewsky é o de
saber o que no comportamento deste maravilhoso "idiota" é a
consequência do olhar e da opinião dos outros.
Myshkin parece apenas ter mudado de sanatório, pois que a
sua "doença" continua a ser monitorizada e alimentada pelas suas
relações. Como o psicopata que não consegue provar que é normal, desde que
aquela etiqueta lhe foi colada na testa.
Idiota pode ser todo aquele que não cumpre o protocolo.
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