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"(...) Aristóteles não define essa natureza, mas
limita-se a postular a sua existência ('esti ti diaphanes', há o diáfano); ele
afirma, porém, que o acto dessa natureza como tal é a luz e que as trevas são a
sua potência (418b, 9-10). E se a luz é, como ele acrescenta logo depois, a cor
do diáfano em acto ('chroma... tou diaphanous otan ei entelecheiai diaphanes'),
então não seria errado definir o escuro, que é a 'steresis' da luz, como a cor
da potência. De qualquer forma, é apenas uma e a mesma natureza que se
apresenta ora como as trevas e ora como luz ('e gar aute physis ote men skotos
ote de phos estin' – 418b, 31).
"La Potenza del Pensiero" (Giorgio Agamben)
O ensaio de Agamben sobre este "poder do
pensamento" foi-lhe sugerido por uma experiência relatada numa introdução
de Anna Akhmatova ao seu "Requiem".
"Eram os anos da Ezovschina e havia meses que a
poetisa fazia fila diante da prisão de Leningrado, esperando ter notícias do
seu filho preso por delitos políticos. Com ela estavam na fila dezenas de
outras mulheres, que se reencontravam todos os dias no mesmo lugar. Uma manhã,
uma dessas mulheres virou-se para ela e fez-lhe uma única pergunta:' você é
capaz de dizer isto? ('può lei dire questo?') Akhmatova ficou por um instante
em silêncio, e sem saber porquê, encontrou esta resposta nos lábios: 'sim, sou
capaz. ('si, lo posso.)"
Que poder é este a que se refere a poetisa russa? Não
tem, directamente, a ver com os meios para libertar um preso político, por
exemplo, e se se refere à capacidade de traduzir em palavras uma experiência
angustiante como a duma mãe que não sabe o que aconteceu ou pode acontecer a um
filho, na altura em que a pergunta foi feita, Anna não podia, de facto, fazê-lo
(a criação poética não é um acto totalmente voluntário).
É aqui que a comparação com a qualidade aristotélica do "diáfano" (que
abrange tanto a luz como as trevas) pode ser útil, como pensou Agamben. O poder
do "diáfano", no caso do escuro, é o da privação da luz... Quando Akhmatova diz que pode "dizer" o horror,
é como se esse poder (de escrever) estivesse suspenso. Contudo, tal como o
"diáfano", essa suspensão é já pensamento.
O poder do pensamento é, de facto, invisível, e só se
reconhece pelos seus efeitos no mundo. Todo o passado está nesse estado de
potência que é privação de pensamento.
Se a biblioteca não for utilizada, é como se Anna
Akhmatova nunca chegasse a escrever.
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