"Sol enganador" (a tradução tem uma conotação
política apropriada, porque, tal como o Bem platónico, a URSS chegou a ser
comparada à nossa estrela), o premiado filme de Nikita Mikhalkov, tem uma
sequela que a crítica do seu país injustiçou.
Kotov (interpretado pelo próprio realizador) que na
primeira parte é arrancado ao seu repouso de herói nacional pelos homens da
NKVD, na continuação ("O Degelo" e "A Citadela"), depois de
fugir do Gulag graças a um ataque alemão, junta-se, como soldado raso, ao
combate contra os inimigos da sua pátria, enquanto a filha, enfermeira da cruz
vermelha, que ele julga assassinada, o procura pelos campos de batalha.
O absurdo da guerra é-nos dado com grande brio através de
algumas cenas caricatas, no que já foi comparado ao tom de "Catch 22"
de Joseph Heller. Mas onde Mike Nichols fez uma comédia de guerra, com humor e
desenvoltura, no filme com o mesmo nome, Mikhalkov é quase escatológico na
forma como nos apresenta a tragédia. O humor "negro" (não se podia
dizer melhor) está ao nível dos símbolos
(a porta que salva o soldado que a traz às costas, ou a mina a que se
agarram os náufragos) e não traz nenhum alívio a este mergulho na lama e no
sangue.
Staline aparece num sonho de Kotov, em que este, que
acolhe o senhor do Kremlin na sua 'datcha', num impulso irresistível, transforma
a cena numa comédia de 'slapstick', enterrando o temido perfil no bolo de aniversário com a sua efígie que
Staline contemplava.
Há uma terceira parte prometida, mas penso que o maior
absurdo da guerra não ficará melhor esclarecido. Em plena invasão alemã, e a
desorganização (em grande parte resultante das purgas sucessivas e dos
chamados 'processos de Moscovo', instigados pelo 'querido líder') e
impreparação com que os soviéticos a enfrentaram de início, o regime nem por um
momento se distrai do seu "vício predominante". Staline lança de novo
os seus "falcões" no encalço de Kotov. O principal (Mitya, Oleg Menshikov) foi o
homem, quase da família, que o prendeu. Mitya (um nobre e antigo 'guarda branco')
despreza o regime, mas prossegue a vingança contra o seu próprio passado como
se fosse a sua única razão de ser. Por isso foi escolhido.
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