segunda-feira, 12 de março de 2012

O SOL ENGANADOR



"Sol enganador" (a tradução tem uma conotação política apropriada, porque, tal como o Bem platónico, a URSS chegou a ser comparada à nossa estrela), o premiado filme de Nikita Mikhalkov, tem uma sequela que a crítica do seu país injustiçou.

Kotov (interpretado pelo próprio realizador) que na primeira parte é arrancado ao seu repouso de herói nacional pelos homens da NKVD, na continuação ("O Degelo" e "A Citadela"), depois de fugir do Gulag graças a um ataque alemão, junta-se, como soldado raso, ao combate contra os inimigos da sua pátria, enquanto a filha, enfermeira da cruz vermelha, que ele julga assassinada, o procura pelos campos de batalha.

O absurdo da guerra é-nos dado com grande brio através de algumas cenas caricatas, no que já foi comparado ao tom de "Catch 22" de Joseph Heller. Mas onde Mike Nichols fez uma comédia de guerra, com humor e desenvoltura, no filme com o mesmo nome, Mikhalkov é quase escatológico na forma como nos apresenta a tragédia. O humor "negro" (não se podia dizer melhor) está ao nível dos símbolos  (a porta que salva o soldado que a traz às costas, ou a mina a que se agarram os náufragos) e não traz nenhum alívio a este mergulho na lama e no sangue.

Staline aparece num sonho de Kotov, em que este, que acolhe o senhor do Kremlin na sua 'datcha', num impulso irresistível, transforma a cena numa comédia de 'slapstick', enterrando o temido perfil no  bolo de aniversário com a sua efígie que Staline contemplava.

Há uma terceira parte prometida, mas penso que o maior absurdo da guerra não ficará melhor esclarecido. Em plena invasão alemã, e a desorganização (em grande parte resultante das purgas sucessivas e dos chamados 'processos de Moscovo', instigados pelo 'querido líder') e impreparação com que os soviéticos a enfrentaram de início, o regime nem por um momento se distrai do seu "vício predominante". Staline lança de novo os seus "falcões" no encalço de Kotov. O principal (Mitya, Oleg Menshikov) foi o homem, quase da família, que o prendeu. Mitya (um nobre e antigo 'guarda branco') despreza o regime, mas prossegue a vingança contra o seu próprio passado como se fosse a sua única razão de ser. Por isso foi escolhido.

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