sábado, 24 de março de 2012

A PRONÚNCIA DO AMOR


"Pronunciar a palavra amor é embaraçoso. A língua fica parada, como se estivesse cansada de fazer um percurso conhecido, que foi feito demasiadas vezes e que agora não quer voltar a percorrer."

(Roberto Saviano: "Regresso de Cabul")



Há palavras assim, pudicas. Outras há que são meretrizes e que estão abaixo do seu valor facial. Estas são, porém, muito úteis na conversação. Quando me perguntam se estou bem, não é para ouvir a resposta, é para passar à frente. Essa indiferença é preciosa, ao contrário do que parece, pois não alimenta o hipocondríaco em nós (e todos o somos um pouco).

Os verdes em anos é natural que considerem essa formalidade como pura hipocrisia, no que estão enganados, por não darem o devido valor ao controle das expressões que nos permite dizer só o que queremos, sem o ruído das nossas "tubagens".

Também é nesses que o amor não sofre de já ter percorrido o mesmo caminho e pode ser inventado pela magia própria das palavras.

Essa magia não se separou de todo das palavras interditas e que a língua resiste a repetir. Mas é como a espécie de alma que Proust atribuía, depois da destruição das coisas, ao olfacto e ao sabor, chaves para reviver o passado: só essas almas por muito tempo permanecem " a lembrar, a esperar, na ruína de tudo o resto, a carregar sem flectir, sobre a gotícula quase impalpável, o imenso edifício da recordação." ("À la recherche du temps perdu")

É esse ser invísivel, guardado pela linguagem da nossa memória, que 'desacredita' a palavra amor. Por isso mesmo, os que melhor esquecem são os que mais livres se sentem do embaraço de que fala Saviano.

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