"Pronunciar a palavra amor é embaraçoso. A língua
fica parada, como se estivesse cansada de fazer um percurso conhecido, que foi
feito demasiadas vezes e que agora não quer voltar a percorrer."
(Roberto Saviano: "Regresso de Cabul")
Há palavras assim, pudicas. Outras há que são meretrizes
e que estão abaixo do seu valor facial. Estas são, porém, muito úteis na
conversação. Quando me perguntam se estou bem, não é para ouvir a resposta, é
para passar à frente. Essa indiferença é preciosa, ao contrário do que parece,
pois não alimenta o hipocondríaco em nós (e todos o somos um pouco).
Os verdes em anos é natural que considerem essa
formalidade como pura hipocrisia, no que estão enganados, por não darem o
devido valor ao controle das expressões que nos permite dizer só o que
queremos, sem o ruído das nossas "tubagens".
Também é nesses que o amor não sofre de já ter percorrido
o mesmo caminho e pode ser inventado pela magia própria das palavras.
Essa magia não se separou de todo das palavras interditas
e que a língua resiste a repetir. Mas é como a espécie de alma que Proust
atribuía, depois da destruição das coisas, ao olfacto e ao sabor, chaves para
reviver o passado: só essas almas por muito tempo permanecem " a lembrar,
a esperar, na ruína de tudo o resto, a carregar sem flectir, sobre a gotícula
quase impalpável, o imenso edifício da recordação." ("À la recherche du temps perdu")
É esse ser invísivel, guardado pela linguagem da nossa
memória, que 'desacredita' a palavra amor. Por isso mesmo, os que melhor
esquecem são os que mais livres se sentem do embaraço de que fala Saviano.
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