"Em crescimento, o Nilo transborda e inunda os
campos em redor. Sacerdotes ou peritos, sábios ou agrimensores, aqueles que ele
denomina os harpedonaptas, redistribuem aos camponeses ou aos proprietários as
parcelas cuja inundação acabou de apagar os limites."
(Heródoto, citado por Michel Serres in "As origens
da geometria")
Os 'puxadores de corda' (harpedonaptas) repõem a ordem
que a inundação apagou. Que bela imagem do direito!
Em todo o lado, a lei escrita ambicionará este consenso
do que é claro e racional. A medida, os registos e a autoridade indiscutível
dos que recriam o mundo.
O Nilo é, talvez, o primeiro grande reformador. O culto
das terras, os negócios, a discórdia que eles trazem, toda essa
"escrita" sobre a terra, tudo é lavado e levado, periodicamente.
Mas a ideia permite o ciclo eterno em que todas as coisas
regressam. Percebe-se que este regresso é também uma regeneração moral.
Também a vida nos "inunda", e a nossa bagagem
parece flutuar à nossa volta. A que "agrimensores", ou
"puxadores de corda", pediremos então a reposição da ordem?
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