sábado, 18 de fevereiro de 2012

A VOZ

Euterpe


"A voz não se parece com as coisas; no melhor dos casos pode imitar alguns ruídos da natureza; mas em primeiro lugar ela exprime o invisível, o íntimo, o sentimento. 'O som é irmão da alma', diz Hegel. Mas a fim de apreendermos este objecto que sempre nos escapa, quero procurar um conteúdo do sentimento; não quero de modo nenhum considerar um sentimento sem corpo; e o corpo do sentimento é a emoção.(...)"

"Escutemos de longe um orador ou um disputador; ignoremos ou melhor esqueçamos o sentido das palavras; o tom oferece ainda uma variedade maravilhosa, que nada nos diz sobre aquilo em que pensa aquele que fala, mas que nos diz muito bem se ameaça, se suspeita, se perdoa, se ama, se odeia, se tem fé, se perde coragem, se tem medo ou se ousa."

"Vingt leçons sur les Beaux-Arts" (Alain)



Este ouvido, atento às mínimas inflexões da voz, é o órgão da noite e da sobrevivência. E é o que, numa assembleia, o demagogo, em primeiro lugar, lisonjeia.

Talvez até que, numa assembleia, não existam condições para suscitar a atenção do "irmão da alma". Por isso, o orador não pode dizer o que quer. E antes de tudo, deve evitar surpreender. Está obrigado a dizer só o que os outros já sabem. O seu discurso servirá, então, para que o grupo sinta que os outros sentem como ele. A força que resulta desse sentimento é como um caudal à procura de espaço.

Um congresso, por exemplo, pode ser mais ou menos unanimista, ou mais ou menos cisionista, que nunca é um lugar para pensar. As diferenças podem tornar-se tão rituais quanto a unanimidade, isso parece certo. Um congresso é um lugar de (con)sagração, no melhor dos casos.

A música é a arte que mais se aproxima da oratória. E a música moderna que, desde o dodecafonismo e de outras correntes, se afastou da voz e do sentimento, tampouco se aproximou do sentido das coisas. Virou definitivamente as costas à "baixa lisonja".
 

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