tinytheatre.blogspot.com |
"No muito belo comentário de Hölderlin, é o duplo
desvio no própio curso do tempo linear que vai separar o homem e Deus, Deus
afasta-se do homem que se afasta de Deus. E é por isso que Sófocles diz de
Édipo que é “atheos”, o que não significa que é ateu, mas que está separado de
Deus. E tanto é assim que Deus já não é senhor do tempo, aquele que curva o
tempo, e que o homem já não se encontra, ele próprio, cercado numa espécie de
harmonia com Deus; nesta espécie de relação com Deus, o homem já não é nada senão
a cesura impedindo que rimem o antes e o depois, que distribui um antes e um
depois que já não rimam."
"4 Leçons sur Kant" (Gilles Deleuze)
O tempo "circular" da harmonia com Deus, é o
tempo da tragédia grega, em que a justiça ( o limite ) dá lugar à injustiça que
ultrapassa os limites, harmonizando-se o ciclo, de seguida, com a expiação.
Deleuze cita o caso de Agamemnon que, no seu régio poder, é o "limite", mas a injustiça vem com o seu assassínio às mãos de Clitemnestra e de Egisto, sendo, finalmente, a
justiça é restabelecida com o acto matricida de Orestes.
Mas, com o Édipo de Sófocles, conforme o comentário de
Hölderlin, o tempo torna-se linear. O limite está na ponta do tempo.
E ele é "sem Deus" (que não ateu no sentido
moderno) porque nenhuma harmonia é restabelecida no destino do herói. O tempo
passou a ser uma linha que continua indefinidamente.
A qualidade de se "cumprir" deixou de ser uma
característica do tempo. " quando a tragédia começa já está tudo acabado:
como o próprio texto de Ésquilo diz, no momento em que Agamemnon entra no
palácio e está prestes a ser assassinado por Clytemnestra, é como se isso já tivesse
acontecido."(ibidem)
A linha recta como metáfora do tempo não implica, pois,
que Deus não exista ou que não se creia na sua existência, o homem é que segue
um caminho independente e "ilimitado", sem uma ideia inerente da
justiça.
É, como refere o filósofo, o hamletiano "tempo fora
dos gonzos" (out of joint).
0 comentários:
Enviar um comentário