quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A BUROCRACIA



"Se não tivesse sido criada num bom momento, graças a certas circunstâncias históricas, uma burocracia eclesiástica e politicamente eficaz, dificilmente teríamos hoje quaisquer vestígios do cristianismo (...)"

"O Homem Sem Qualidades"
(Robert Musil)



O raciocínio é dum homem de Estado, o conselheiro Tuzzi. Ainda não tinham passado cem anos sobre a apoteose do Estado celebrada por Hegel. E, na verdade, se quisermos encontrar algo que sobreviva aos regimes e às maneiras de pensar, a burocracia é um dos melhores exemplos.

Se não se pode viver, em sociedade, sem um mínimo de segurança contra os perigos internos e os que vêm do exterior, está justificada a perenidade do Estado.

A religião (no sentido lato, incluíndo o ateísmo de Estado), a julgar pelo testemunho da história, é uma necessidade não menos importante do que a segurança.

Mas se os textos, as práticas cultuais e as tradições religiosas não tivessem sido conservados, o que poderia hoje ser o cristianismo? Mais uma civilização simplesmente esquecida, ainda que não tivesse sofrido a repressão que atingiu, por exemplo, os Albigenses.

Os "guardas do arquivo" são, portanto indispensáveis, mesmo se a sua função estivesse desprovida de toda a espiritualidade, o que não seria, de qualquer modo crível. Os Tuzzi acreditam na grandeza do Estado que servem. Aquilo que fazem é aquilo que pensam. É assim que todas as burocracias se perpetuam. O cinismo é naturalmente expulso das suas cabeças e a crítica só pode vir de fora. Não há nada que a Igreja mais tema do que um verdadeiro santo.


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