"Se não tivesse sido criada num bom momento, graças
a certas circunstâncias históricas, uma burocracia eclesiástica e politicamente
eficaz, dificilmente teríamos hoje quaisquer vestígios do cristianismo (...)"
"O Homem Sem Qualidades"
(Robert Musil)
O raciocínio é dum homem de Estado, o conselheiro Tuzzi.
Ainda não tinham passado cem anos sobre a apoteose do Estado celebrada por
Hegel. E, na verdade, se quisermos encontrar algo que sobreviva aos regimes e
às maneiras de pensar, a burocracia é um dos melhores exemplos.
Se não se pode viver, em sociedade, sem um mínimo de
segurança contra os perigos internos e os que vêm do exterior, está justificada
a perenidade do Estado.
A religião (no sentido lato, incluíndo o ateísmo de
Estado), a julgar pelo testemunho da história, é uma necessidade não menos
importante do que a segurança.
Mas se os textos, as práticas cultuais e as tradições
religiosas não tivessem sido conservados, o que poderia hoje ser o
cristianismo? Mais uma civilização simplesmente esquecida, ainda que não tivesse
sofrido a repressão que atingiu, por exemplo, os Albigenses.
Os "guardas do arquivo" são, portanto
indispensáveis, mesmo se a sua função estivesse desprovida de toda a
espiritualidade, o que não seria, de qualquer modo crível. Os Tuzzi acreditam
na grandeza do Estado que servem. Aquilo que fazem é aquilo que pensam. É assim
que todas as burocracias se perpetuam. O cinismo é naturalmente expulso das
suas cabeças e a crítica só pode vir de fora. Não há nada que a Igreja mais
tema do que um verdadeiro santo.
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