"Se a estupidez, com efeito, vista de dentro, não se
parecesse, até ao ponto da confusão, com o talento, se, vista de fora, ela não
tivesse todas as aparências do progresso, do génio, da esperança e do
melhoramento, ninguém quereria ser estúpido e não haveria estupidez."
"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)
Isto é no que pensava Sócrates ao dizer que ninguém é mau
voluntariamente. "Mal échoir", donde vem "méchant" (mau),
em francês, quer dizer "cair mal", como assinalou Alain. Quem cai
está sujeito a uma força, não é livre enquanto massa atraída pela terra. A tese
é a de que só somos maus porque não pensamos, ou porque pensamos mal. Como o
Cálicles de Platão, temos pressa em ferrar o dente.
É claro que, no caso da estupidez, se passa o mesmo. E
basta a precaução de se saber estúpido para interrompermos ou não iniciarmos a
acção e, nesse momento, deixarmos de o ser.
Podia-se dizer que assim como todos estão sujeitos a
cair, também a estupidez nos espreita a todos. Mas há a que resulta dum
entorpecimento do espírito ou da dificuldade do problema e a que é o fruto
amadurecido da doutrina. Foi assim, que Ptolomeu, durante muito tempo,
continuou a reger a astronomia, mesmo depois de Copérnico ter publicado o seu
tratado. A doutrina da Igreja, ao rejeitar a ideia heliocêntrica
era, de facto, estúpida, mas é preciso ver também aqui o que fez a Igreja
"cair": e era o caso de ter de mudar muito se abraçasse a
"nova" ideia. E não se mudam só as ideias, mudam-se as pessoas,
mudam-se os cargos e as funções .
Por isto se vê que a estupidez governa o mundo. E a
inteligência tem de esperar a sua oportunidade.
O mestre nestas coisas é Descartes que tão bem soube
deslindar a "união do corpo e da alma", e cujo dualismo é a coisa
menos compreendida na história da filosofia. É preciso ler Alain.
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