Saint Denis (Notre Dame de Paris) |
No final da sua conferência (aqui), realizada em Lille
(2007), sobre "Les nouvelles technologies: révolution culturelle et cognitive", o
filósofo Michel Serres relata a lenda de S. Denis, bispo de Lutécia (o anterior
nome da cidade de Paris), o qual foi surpreendido com os seus fiéis
pelos soldados do imperador Décio que o decapitaram no instante. O milagre é
que o bispo apanhou a cabeça do chão e a apresentou aos que assistiam e nesses
preparos subiu ao ponto mais alto da cidade sempre prègando.
A violenta metáfora utilizada por Serres é que tal como
Denis, também nós "perdemos" a cabeça, e a temos, doravante, diante de
nós, sob a forma do computador (ou do 'smartphone' - o seu jívaro ).
Este seria apenas o mais recente estádio daquilo a que o
filósofo chama de exo-darwinismo, pelo qual a tecnologia se vem substituíndo às
funções corporais. Assim, o martelo externalizou o punho e o antebraço, a roda
fez o mesmo em relação às articulações angulares do pé, do joelho e da anca, e a escrita
e a imprensa em relação à memória.
Agora, o computador "liberta-nos" de outras
funções cognitivas, como o cálculo e a imaginação. Para Michel Serres, porém,
isso não significa uma perda real, visto que ficamos livres para outras
funções. Foi o que aconteceu com a imprensa que permitiu os rápidos avanços da
ciência, ao deixarmos de carregar os conhecimentos do passado na nossa memória.
"Estamos condenados a tornarmo-nos inteligentes!", é a sua conclusão.
Por outro lado, enquanto o indivíduo e a sociedade
evoluem desta forma vertiginosa, a evolução darwiniana parece ter parado no
tempo. Um filme como "O planeta dos macacos" mostra-nos como todos os
"ganhos" da espécie não nos protegem dum regresso ao "struggle
for life" do darwinismo puro e duro.
Porque toda a "externalização" operada pela
tecnologia remete-nos para sempiterna metafísica do ser. Quem somos, se o que
somos está cada vez mais fora de nós?
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