terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O HOMEM SEM CABEÇA

Saint Denis (Notre Dame de Paris)


No final da sua conferência (aqui), realizada em Lille (2007), sobre "Les nouvelles technologies: révolution culturelle et cognitive", o filósofo Michel Serres relata a lenda de S. Denis, bispo de Lutécia (o anterior nome da cidade de Paris), o qual foi surpreendido com os seus fiéis pelos soldados do imperador Décio que o decapitaram no instante. O milagre é que o bispo apanhou a cabeça do chão e a apresentou aos que assistiam e nesses preparos subiu ao ponto mais alto da cidade sempre prègando.

A violenta metáfora utilizada por Serres é que tal como Denis, também nós "perdemos" a cabeça, e a temos, doravante, diante de nós, sob a forma do computador (ou do 'smartphone' - o seu jívaro ).

Este seria apenas o mais recente estádio daquilo a que o filósofo chama de exo-darwinismo, pelo qual a tecnologia se vem substituíndo às funções corporais. Assim, o martelo externalizou o punho e o antebraço, a roda fez o mesmo em relação às articulações angulares do pé, do joelho e da anca, e a escrita e a imprensa em relação à memória.

Agora, o computador "liberta-nos" de outras funções cognitivas, como o cálculo e a imaginação. Para Michel Serres, porém, isso não significa uma perda real, visto que ficamos livres para outras funções. Foi o que aconteceu com a imprensa que permitiu os rápidos avanços da ciência, ao deixarmos de carregar os conhecimentos do passado na nossa memória. "Estamos condenados a tornarmo-nos inteligentes!", é a sua conclusão.

Por outro lado, enquanto o indivíduo e a sociedade evoluem desta forma vertiginosa, a evolução darwiniana parece ter parado no tempo. Um filme como "O planeta dos macacos" mostra-nos como todos os "ganhos" da espécie não nos protegem dum regresso ao "struggle for life" do darwinismo puro e duro.

Porque toda a "externalização" operada pela tecnologia remete-nos para sempiterna metafísica do ser. Quem somos, se o que somos está cada vez mais fora de nós?

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