“A
colegialidade, que se pratica na elaboração das micro-decisões, na empresa, na
administração ou na universidade, permite a cada um ouvir-se falar, e aos
outros, de fazer o mesmo, dando-se a ilusão de existirem nesta troca de tansos,
onde tudo está, muitas vezes, decidido ou imposto à partida. A ‘ilusão retórica’
consiste em crer que os argumentos de cada um contam, quando o objecto da reunião
e do diálogo é antes o reconhecimento mútuo do papel de cada um, inflacionado
por este simples jogo, em que se negoceia a sua imagem ( a distância), e não
uma resposta, que se acaba por esquecer e que era na realidade secundária ou fora
antecipadamente decidida.”
“Principia
Rhetorica” (Michel Meyer)
Como diz Meyer, a
sociedade democrática “não é talvez mais
evoluída do que as que a precederam” por causa deste conformismo que tão
necessário é à identidade do grupo. Mas não se lhe pode negar uma articulação mais
complexa que lhe permite “negociar” todas as diferenças, mesmo as que são a
base dos seus valores.
É essa tendência
dessacralizante que rejeita os tabus proteccionistas que faz da crise de
valores o modo de ser deste tipo de sociedade. Como o capitalismo, aliás,
mostrou à saciedade, a crise é inseparável do desenvolvimento do sistema, e não
se pode dizer o que é mais relevante para a queda de todas as barreiras morais
e psicológicas, se a mercantilização universal ou a influência da tecnologia
das comunicações.
A “ilusão retórica”
permite a estabilidade possível das relações humanas num mundo em que o fosso
entre a realidade e a nossa percepção dela se abre cada vez mais.
Assim, todos
participamos num processo político da maneira que podemos, protegidos das
vertigens da velocidade e do caos. E a racionalidade das decisões funciona como
mais um belo lubrificante social.
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