terça-feira, 20 de setembro de 2011

O LUBRIFICANTE





“A colegialidade, que se pratica na elaboração das micro-decisões, na empresa, na administração ou na universidade, permite a cada um ouvir-se falar, e aos outros, de fazer o mesmo, dando-se a ilusão de existirem nesta troca de tansos, onde tudo está, muitas vezes, decidido ou imposto à partida. A ‘ilusão retórica’ consiste em crer que os argumentos de cada um contam, quando o objecto da reunião e do diálogo é antes o reconhecimento mútuo do papel de cada um, inflacionado por este simples jogo, em que se negoceia a sua imagem ( a distância), e não uma resposta, que se acaba por esquecer e que era na realidade secundária ou fora antecipadamente decidida.”


“Principia Rhetorica”  (Michel Meyer)



Como diz Meyer, a sociedade democrática “não é talvez mais evoluída do que as que a precederam” por causa deste conformismo que tão necessário é à identidade do grupo. Mas não se lhe pode negar uma articulação mais complexa que lhe permite “negociar” todas as diferenças, mesmo as que são a base dos seus valores.

É essa tendência dessacralizante que rejeita os tabus proteccionistas que faz da crise de valores o modo de ser deste tipo de sociedade. Como o capitalismo, aliás, mostrou à saciedade, a crise é inseparável do desenvolvimento do sistema, e não se pode dizer o que é mais relevante para a queda de todas as barreiras morais e psicológicas, se a mercantilização universal ou a influência da tecnologia das comunicações.

A “ilusão retórica” permite a estabilidade possível das relações humanas num mundo em que o fosso entre a realidade e a nossa percepção dela se abre cada vez mais.

Assim, todos participamos num processo político da maneira que podemos, protegidos das vertigens da velocidade e do caos. E a racionalidade das decisões funciona como mais um belo lubrificante social.

0 comentários: