sexta-feira, 9 de setembro de 2011

CEM PREGOS

"Cientochiodi" (2008, Ermanno Olmi)



Um ícone vivo de Cristo (por ironia, um actor israelita, Raz Degan) recria as condições da história evangélica. A sua impassibilidade e o seu domínio do texto sagrado impõem-se à pequena comunidade de marginais do Rio Pó, a braços com uma perseguição em nome da racionalização paisagística.

Ele rompeu com a sua vida de professor na Universidade de Bolonha com um acto simbólico: "crucificando" 100 preciosos incunábulos da biblioteca.

Como confessa ao chefe dos carabinieri, ele é responsável por isso, mas não culpado. Vivia "emparedado" nos livros, prisioneiro da "letra",  e quem não começar tudo de novo não poderá alcançar a verdade.

E ao seu velho mentor que o ameaça com o Juízo Final, retorque que é Deus que deve ser julgado por ter deixado morrer o filho na cruz. Contra o saber livresco diz que vale mais um café com um amigo.

Quase que estamos de acordo com este novo "impostor". Mas o seu acto de profanação em que é que se distingue dos budas dinamitados pelos talibã?

Claro que Cristo sempre denunciou os fariseus e os que vivem pela "letra". Mas esqueça-se a poesia e o seu necessário suporte (em papiro, papel ou livro electrónico) e não há espírito que sobreviva.

O "fundamentalismo ecologista" de obras como esta parece sonhar ainda com as sociedades orais e os poetas cegos.

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