"Sem
Bach, a teologia seria desprovida de objecto, a Criação fictícia, o nada
peremptório. Se há alguém que deva tudo a Bach, é realmente Deus. O que são
todas as melodias ao pé daquela que sufoca em nós a dupla impossibilidade de
viver e de morrer?"
"Fragments"
(Cioran)
A "boutade" de Cioran não deixa de ser certeira no essencial. O
sentimento cria o seu objecto e a música vai, no sublime, mais longe do que as
outras artes ou até a própria poesia, que é, no entanto, a "reserva de oiro" das grandes religiões.
Já chamaram a um pintor (Giotto) o
quinto evangelista, pois que nos seus frescos podemos "ver" o
Evangelho, com um olhar puro, antes de todo o artifício e de toda a retórica.
Mas Bach, que regressou do Letes depois do seu próprio evangelista (Mendelssohn)
ter espalhado a palavra, é a epifania do divino e o milagre da
"ressurreição", ao nosso alcance, quando todo o corpo é ouvido.
Além disso, não foi ele o mais humilde
servidor da sua arte, a ponto de toda a vaidade lhe ser estranha e a música
parecer destilada apenas do trabalho, desse trabalho, em que Simone Weil, por
exemplo, via uma espécie de santidade?
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