segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A VERDADE DA LENDA

Virgem de Smolensk (artista desconhecido)



“Um cidadão de Antioquia, Síria, Lucas escreveu o terceiro Evangelho e o Acto dos Apóstolos. (…) De acordo com uma tradição do século V e baseada em antigos ícones de Antioquia e de Tebas atribuídos ao evangelista (ícones mais tarde transferidos para Constantinopla e Rússia), Lucas foi o primeiro a pintar a Theotokos (Mãe de Deus),”


“Icons and Saints of the Eastern Orthodox Church” (Alfredo Tradigo)


Nas polémicas sobre a perene virgindade de Maria que é, naturalmente, contra-intuitiva, ou de decidir se os irmãos referidos, por exemplo, em Matias, são meios-irmãos (filhos dum anterior matrimónio de José) ou apenas primos (a teoria oficial da Igreja é que na origem está um erro de tradução, porque os Hebreus só tinham uma palavra para irmão e primo), vem-me sempre ao espírito o dilema jornalístico do filme de John Ford, “O homem que matou Liberty Valance    “. A lenda é que o “herói” Ranson Stoddard (James Stewart) matou o perigoso fora-da-lei (Lee Marvin). Mas, na verdade, quem acertou de morte foi Tom Doniphon (John Wayne), com um tiro simultâneo que se confundiu num mesmo estampido. Esse herói nunca reivindicou os louros.

Esta era a verdade. Mas entre a verdade e a lenda, o editor do jornal local, com olho comercial, decidiu-se por manter a lenda, porque é sempre mais popular.

O método histórico não se pode aplicar às lendas, mas as lendas tem a sua verdade. São símbolos que irradiam sentido.

A tradição sobre Lucas pintor do primeiro ícone da Theotokos e da Virgem de Smolensk talvez seja apenas uma lenda, mas que é bela e que liga a representação “ingénua” de Maria ao começo do próprio Cristianismo, não restam dúvidas, parece-me. E a religião, no fundo, tem mais a ver com a beleza do que com a verdade histórica.

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