“Não
há uma imagem clara, consistente de Deus no Génesis. No famoso primeiro
capítulo, Deus Criador aparece no centro do palco, sem rival, supremamente
poderoso e benigno, abençoando todas as coisas que fez. Mas o resto do Génesis
parece desconstruir esta limpa teologia. Deus, que era supremamente poderoso no
capítulo I, perdeu todo o controlo sobre a sua criação em dois capítulos; o
integralmente justo e equitativo Deus que abençoou tudo imparcialmente é mais
tarde culpado de estrondoso favoritismo, e as suas escolhas algo arbitrárias (os escolhidos raramente são modelares) põem criminosamente os seres humanos uns
contra os outros. (…) No Génesis o que vislumbramos daquilo a que chamamos Deus
pode ser tão parcial, terrível, ambíguo e paradoxal como o mundo em que
vivemos.”
“The case for God” (Karen Armstrong)
O Deus do Antigo
Testamento não nos é “familiar”. Não está presente no coração dos crentes.
Racionaliza (mesmo apelando ao irracional, porque, como diz Veyne, o irracional
pode ser coerente consigo próprio) os nossos medos e nunca deixa de se
comportar como um Todo-Poderoso. É exterior até quando fala ou aparece sem se
mostrar, e mesmo essa fugaz “presença” deixa de se verificar. “(…) no final do livro, José e os seus irmãos têm
de confiar nos seus próprios sonhos e visões – tal como nós” (ibidem)
A Bíblia começou
pelas crónicas dos reinos de Israel e de Judá. A cosmologia veio depois, e o
monoteísmo. Antes de Jeová, adorou-se El, o deus local. A Bíblia é um processo
de inscrições e não um livro com uma mensagem coerente. É talvez por isso que nela se pode encontrar uma outra versão “caótica”
do mundo.
A inspiração a partir
dum texto tão rico como é o do “Livro” não pode ser igual à duma doutrina.
Infelizmente, a construção histórica desse texto favoreceu uma coerência
indesejável: a da raça.
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