É Jacques Rancière
que diz que a política não é o espaço público resultante dum contrato social ou
de um bem comum garantido pelo Estado, mas que é na medida em que o princípio
da igualdade é posto à prova por aqueles cujo papel é o de não falarem e ficarem
de fora da coisa pública que existe a política.
O resto é polícia (policy) e decerto que, ao exercer-se na esfera “doméstica” (trata-se arrumar e manter
a ordem), da necessidade, a “polícia” determina o jogo político possível, o
lugar e a função de cada um, dos que participam e dos que se encontram privados
da acção e da palavra (na infância, de infans,
o que é incapaz de falar). Para Rancière esta divisão vem antes daquela que
separa governantes e governados.
Mas a sociedade em
que todos participam e em que todos usam da palavra é o que há de mais utópico.
Se em vez da dissensão potencial e da desigualdade “naturalizada” pela ordem “policial”,
tivéssemos a perfeita transparência, a consciência democrática não seria
compatível com qualquer tipo de processo, por mais acelerado que se imagine. A
transparência total e o protagonismo universal poriam a utopia na ordem do dia.
E já vimos isso. Os demónios (era escusado lembrar) seduzem-nos com boas
ideias, não com mentiras descaradas.
O certo é que a ideia
de Rancière sobre a política tende a confundir-se, assintoticamente, com a “boa”
ordem. Isso tem um precedente famoso na
ideia leninista do deperecimento do Estado (essa outra utopia).
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