quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PODER FALAR




“Plutarco ‘opõe esta execrável liberdade (da igualdade) à verdadeira, a que ele chama também parrêsia: poder falar sem medo ao soberano, falar-lhe de igual para igual (isêgoria), eis a libertas, o franco-falar; eis a liberdade sob o Império.’”


“Le pain et le cirque”  (Paul Veyne)



É curioso como muitos de nós têm a ideia de que o sistema democrático, hoje, se reduz à parrêsia: poder tratar Sócrates como um igual e poder dizer mal do Governo.

A Revolução de Abril (talvez se comece a pensar que “Revolução” não é a palavra exacta), com todas as suas promessas e a sua grande esperança serviu “apenas” para nos pôr no caminho da modernidade e nos tornar menos diferentes dos nossos vizinhos europeus.

Não entrava na cabeça de Plutarco que a estrutura de classes do Império pudesse ser outra, e a ideia duma igualdade universal, para além da igualdade da condição de mortal (como diz Veyne, os Romanos não confundiam o imperador divinizado com os verdadeiros deuses), tinha ainda que percorrer um longo caminho para ser uma ideia “natural” e do senso comum.

O certo é que em nenhum lugar da terra se alcançou alguma vez a igualdade universal de facto. Por isso, talvez aconteça que a utopia esconda a igualdade possível, onde ela existe. A utopia exige nada menos do que a igualdade do poder. Nunca se viu. Para vivermos em sociedade temos que consentir num poder maior do que o nosso.

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