domingo, 5 de dezembro de 2010

DESPISTE SEGUNDO AS REGRAS

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“Dito de outro modo, a verdadeira questão seria: ‘existe rotina ou racionalização?’ Por um lado, um capital ou uma empresa lucrativa devem ser geridas como o faria um ‘bom chefe de família’ e a racionalidade proíbe que se tomem demasiados riscos, porque uma empresa quer antes de tudo conservar-se a si mesma. Por outro lado, gere-se mal um património quando se negligenciam as ocasiões de ganho e os investimentos: mesmo os escravos de que fala o Evangelho têm o dever de emprestar a juros as somas que o seu senhor lhes confiou na sua ausência. Um património bem gerido deve render como um capital e um capital bem gerido deve estar em tanta segurança quanto um património.”


“Le pain et le cirque” (Paul Veyne)


Pode ser que a passagem do Evangelho sobre os deveres dos escravos, a quem o senhor entregou um capital, não seja o melhor exemplo de moral, porque se encontra assim justificada  a pior usura e até os excessos  de alguns “investidores” na presente crise mundial. Afinal eles talvez estivessem apenas embriagados pela velocidade de multiplicação dos simulacros da riqueza, talvez tivessem corrido demasiados riscos (mas “quem não arrisca não petisca”) porque o próprio sucesso imediato fazia prova. E quem pode exigir a esses jovens esqualos da bolsa (e outros não tão jovens quanto isso), encantados com o seu poder, como o “aprendiz de feiticeiro”, a maturidade e a sabedoria da experiência?

É claro que há uma grande diferença em relação à parábola: os escravos não se tornaram multimilionários com o capital confiado pelo patrão. Mas estamos certos de que, mesmo se os seus mandatários tivessem fintado a lei, o patrão os repreenderia pela “multiplicação do seu capital”? Isso só aconteceria se em vez de multiplicar, ele desmultiplicasse...

Vejamos o que diz Kaldor (“Essays in Economic Stability and Growth”), citado por Veyne: “Na minha opinião, o desenvolvimento económico acelerado dos dois últimos séculos só se pode explicar por uma mudança das atitudes humanas diante do risco e do lucro (...)”

Então o quê? Aceleração a mais ou falta de ética?


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