Cerimónia vudu |
“No
começo, está um preconceito ideológico: neste caso, que dar emprego é um crime –
um acto ilegítimo de exploração. Tal como, por exemplo, arrendar uma casa.
Posto isso, a lei não visa estabelecer um contrato entre iguais, mas penalizar
o proprietário dos meios de produção ou do prédio.”
Rui Ramos (in
Expresso de 23/12/2010)
É claro que existe um
preconceito ideológico, que parte da ideia que a relação de forças é desigual e
que há que compensar o desnível através das garantias fundamentais. Por isso é
que a parte mais fraca, historicamente, se organizou em sindicatos ( se o
contrato fosse entre iguais, isso seria uma prepotência).
Como em todos os
conflitos sociais, não existe nenhum equilíbrio garantido, e às vezes o poder
sindical pode virar-se contra o próprio interesse dos trabalhadores, levando,
por exemplo, à perda dos postos de trabalho que valem mais, normalmente, do que
qualquer proposta reivindicativa ( mas nada disso escandalizará a opinião
liberal que verá no encerramento dessas empresas a acção da famosa mão invisível,
sacudindo a árvore económica dos seus frutos apodrecidos).
O que não se pode é
ignorar que o trabalhador isolado se encontra numa situação de inferioridade
frente ao poder da organização patronal. Quem manda pode e pode mais do que
quem é mandado, e assim tem de ser (embora não devamos confundir o poder duma
hierarquia legítima com o poder discricionário). Por isso, quando a lei “protege”
a parte mais fraca, está apenas a ser civilizada, a compensar o desnível do
poder entre as partes e a conter a tão humana tentação para abusar desse poder.
Que a questão da
reforma das leis laborais como panaceia para a crise é uma espécie de vudu para
entreter alguns políticos e economistas, e que na prática não mexerá uma palha
na situação de facto, porque a desigualdade do poder, agravada pelo desemprego,
já permite a muitos patrões ignorar a lei (é disso que vive o contencioso dos
sindicatos). Tal como a constituição escrita nunca impediu a realidade de ser o
que é, às avessas do seu idealismo.
Parece, pois, que na
origem da posição do cronista que gosto, aliás, sempre de ler, está outra
posição ideológica que é a de que os contratantes têm igual poder e por isso a
lei devia limitar-se a registar os factos.
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