terça-feira, 28 de dezembro de 2010

DO CONTRATO ENTRE DESIGUAIS

Cerimónia vudu


“No começo, está um preconceito ideológico: neste caso, que dar emprego é um crime – um acto ilegítimo de exploração. Tal como, por exemplo, arrendar uma casa. Posto isso, a lei não visa estabelecer um contrato entre iguais, mas penalizar o proprietário dos meios de produção ou do prédio.”

Rui Ramos (in Expresso de 23/12/2010)



É claro que existe um preconceito ideológico, que parte da ideia que a relação de forças é desigual e que há que compensar o desnível através das garantias fundamentais. Por isso é que a parte mais fraca, historicamente, se organizou em sindicatos ( se o contrato fosse entre iguais, isso seria uma prepotência).

Como em todos os conflitos sociais, não existe nenhum equilíbrio garantido, e às vezes o poder sindical pode virar-se contra o próprio interesse dos trabalhadores, levando, por exemplo, à perda dos postos de trabalho que valem mais, normalmente, do que qualquer proposta reivindicativa ( mas nada disso escandalizará a opinião liberal que verá no encerramento dessas empresas a acção da famosa mão invisível, sacudindo a árvore económica dos seus frutos apodrecidos).

O que não se pode é ignorar que o trabalhador isolado se encontra numa situação de inferioridade frente ao poder da organização patronal. Quem manda pode e pode mais do que quem é mandado, e assim tem de ser (embora não devamos confundir o poder duma hierarquia legítima com o poder discricionário). Por isso, quando a lei “protege” a parte mais fraca, está apenas a ser civilizada, a compensar o desnível do poder entre as partes e a conter a tão humana tentação para abusar desse poder.

Que a questão da reforma das leis laborais como panaceia para a crise é uma espécie de vudu para entreter alguns políticos e economistas, e que na prática não mexerá uma palha na situação de facto, porque a desigualdade do poder, agravada pelo desemprego, já permite a muitos patrões ignorar a lei (é disso que vive o contencioso dos sindicatos). Tal como a constituição escrita nunca impediu a realidade de ser o que é, às avessas do seu idealismo.

Parece, pois, que na origem da posição do cronista que gosto, aliás, sempre de ler, está outra posição ideológica que é a de que os contratantes têm igual poder e por isso a lei devia limitar-se a registar os factos.

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