Hanna Arendt contou numa conferência que na sua infância considerava os jogadores de xadrez como expoentes da inteligência humana, de acordo, aliás, com um preconceito muito comum. Como se sabe, hoje, qualquer computador pode bater essa inteligência.
A filósofa procurava dilucidar a diferença entre o pensar e a inteligência, porque os exemplos históricos abundam de indivíduos dotados da capacidade de cálculo e de resolver problemas complexos que, não obstante, falharam rotundamente na compreensão de situações em que se viram envolvidos e puderam desempenhar, de boa consciência, o papel de dóceis instrumentos em políticas da maior atrocidade contra os seus semelhantes.
Essa distinção, que nenhum Deep Blue até agora pôde perceber, deve ser, pois, essencial para todos nós. Arendt avança o conceito de "desfactualização" para explicar como é que o pensamento pode definhar por falta de realidade, sem prejuízo do poder da inteligência se manter activo (embora desligado do mundo).
"Nas sociedades contemporâneas há quatro formas principais de desfactualizar o mundo: a primeira resulta do emprego generalizado da mentira nas democracias de massas; a segunda de um relativismo niilista que transforma os factos em opiniões; a terceira de sujeitar os acontecimentos a processos de formalização; e a quarta, de minar a liberdade académica sujeitando-a a uma lógica mercantil."
("Arendt e o Fim da Política" de José Luís Câmara Leme)
1 comentários:
«Como se sabe, hoje, qualquer computador pode bater essa inteligência.»
É uma afirmação de que discordo essencialmente. Mas é difícil explicar por quê numa caixa de comentários.
Saudações.
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