sábado, 19 de dezembro de 2009

O ESTADO AQUÉM DA POLÍTICA?



"O Estado democrático orienta-se pelas necessidades da população e esforça-se por melhorar a sua satisfação pela institucionalização da concorrência no acesso ao poder (em termos sistémicos, pode-se falar duma redundancy of potential command). Isso tem como consequência o aumento do número das próprias necessidades, assim como das expectativas do público, e acaba por se esperar do Estado prestações que são impossíveis de realizar tecnicamente com os meios da política, eventualmente através de decisões colectivas constringentes. Este mecanismo de auto-incremento é incapaz de encontrar em si mesmo as suas medidas e os seus limites. Não se pode regulá-lo politicamente. Só se pode cortar-lhe o abastecimento de energia."

"Politique et Complexité" (Niklas Luhmann)


O "corte de energia" podem ser as reduções orçamentais, o FMI ou as imposições de Bruxelas.

É um pouco o que dizia, no outro dia, o Miguel Esteves Cardoso numa divertida crónica a propósito do referendo suíço sobre os minaretes. Há coisas que não se perguntam, como se o Estado deve endividar-se para nos oferecer a todos um mês suplementar pelo Natal.

A massa não se comporta racionalmente. Rousseau achava que os diferentes interesses se compensariam uns aos outros, de modo a que qualquer coisa como uma vontade colectiva emergisse na altura de escolher um governo. Mas a estrutura dos interesses deve ter mudado muito (para além de haver uma grande diferença entre escolher um governo e decidir sobre um aumento do ordenado), para o resultado daquele hipotético referendo sugerido pelo cronista nos parecer tão óbvio, apesar do estado das finanças públicas.

O problema formulado por Luhmann parece levar a uma separação entre a organização do Estado e o sistema político, isto é, a burocracia talvez não seja, fundamentalmente, uma perversão da organização do Estado, mas a ossatura que resiste à sua instrumentalização pelos grupos de interesses mais influentes.

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