René Descartes
"Não se raciocinará tanto sobre a luz que nós vemos quanto sobre aquela que do exterior entra nos nossos olhos e comanda a visão. (…) Se se tomarem as coisas assim, o melhor é pensar a luz como uma acção por contacto, tal como a das coisas sobre a bengala dum cego. Os cegos, diz Descartes, 'vêem com as mãos'. O modelo cartesiano da visão é o tacto. Tal modelo livra-nos de imediato da acção à distância e desta ubiquidade que constitui toda a dificuldade da visão (e também a sua virtude)."
"O olho e o espírito" (Merleau-Ponty)
Nesta decisão (Descartes parece separar a luz das trevas, com garbo militar), adivinha-se uma ética. A do encontro com a realidade, desbaratando as visões e os fantasmas. Qual é a diferença entre um espectáculo "natural" e uma imagem "artificial"? Tocar, como S. Tomé, a ferida do ressuscitado para crer que o objecto existe.
Houve também uma polémica, na Física moderna, sobre a acção à distância, que a ideia de campo contornou. Mas não é isso negar a distância duma separação de facto?
Imaginemos a noite absoluta, mais escura ainda do que a noite dos cegos (eles sabem que a luz existe). Poderíamos estabelecer entre as coisas verdadeiras relações espaciais, uma geometria e, até, uma matemática? Que razão seria a razão privada da medida terrestre?
Com as mãos, o mundo inteligível talvez não seja o que "vemos". De qualquer modo, a ciência, e muito graças a Descartes, evoluiu para a "perda do contacto".
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