quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

ESPECTADORES


A arena de Verona


"Um espectáculo exerce sempre esta influência de vizinhança e entendimento mútuo; diante dum palco ou duma arena, quando o homem se torna público, a sua consciência volatiliza-se, e resta uma emoção capaz de provocar simpatias rápidas e mundanas. Já não se trata de emitir opiniões nem de representar uma sociedade – mas simplesmente de participar como multidão na cena que se desenrola aos seus olhos. Alguma coisa que é tomada como espectáculo deixa de exigir responsabilidade, é algo de irreal e que se passa, apesar da sua exactidão, fora do âmbito do ser."

"Embaixada a Calígula" (Agustina Bessa-Luís)


Nestas palavras de incontestável verdade, há duas ideias que revelam a raça da escritora, o seu jeito de filosofar, com propriedade, a propósito dos factos mais comezinhos. Uma delas é falar de exactidão em relação a um espectáculo. É verdade que mais ou menos exactidão (a ética ou a objectividade jornalísticas, por exemplo) não afecta a natureza da coisa.

Por isso, todo o nosso critério de espectador é impotente para fazer o espectáculo passar ao domínio do ser. E esta é a outra ideia muito pertinente de Agustina. O que é "estar fora do âmbito do ser"? Alguma vez deixamos de "ser", mesmo quando nos sentimos irresponsáveis (ou impossivelmente responsáveis) diante da televisão, por exemplo?

Está na expressão implícita uma ética da acção, hoje, cada vez mais utópica.

0 comentários: