quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A VOZ DOS VENCIDOS



"Sobre os Romanos, não se possui absolutamente nada para além dos escritos dos próprios Romanos e dos seus escravos gregos. Estes, os infelizes, entre as suas reticências servis, disseram o suficiente se nos déssemos ao trabalho de os ler com verdadeira atenção. Mas para quê esse trabalho? Não há móbil para esse esforço. Não são os Cartagineses que dispõem dos prémios da Academia, nem das cátedras da Sorbonne. Para quê, do mesmo modo, dar-se ao trabalho de pôr em dúvida as informações dadas pelos Hebreus sobre as populações de Canaã que eles exterminaram e subjugaram? Não é a gente de Jericó que faz nomeações para o Instituto Católico."

"L'Enracinement" (Simone Weil)


A História é a história dos vencedores, dos que puderam transmitir o seu testemunho e deixar-nos os seus monumentos. Se os Gregos tivessem construído os seus templos em madeira e os tivessem decorado com estátuas de cera, se os seus poetas e filósofos tivessem escrito em material tão perecível como o seu próprio corpo (o paralelo é pertinente: Kafka imaginou um código penal que aplicava a letra da Lei no próprio corpo do condenado), a sua civilização não teria existido para nós. Teríamos de voltar a descobrir a geometria e a inventar a teoria das ideias. Os Romanos teriam sido mais bárbaros do que o que foram.

A sobrevivência do espírito dos vencidos é quase um milagre, mas em parte é explicada pela dispersão dos testemunhos. Se a arte e a filosofia gregas estivessem reunidas num único lugar, o primeiro Calígula poderia cortar-lhes a cabeça.

Não podemos dizer, portanto, que só a lei do mais forte tenha prevalecido, embora, quando existe, a voz soterrada dos vencidos seja quase só um murmúrio. "Por maioria de razão, é preciso nos documentos ler entre as linhas, transportar-se inteiro, com total esquecimento de si, para os acontecimentos evocados, demorar a atenção nas pequenas coisas significativas e nelas discernir todo o seu significado." (ibidem)

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