terça-feira, 20 de outubro de 2009

PANÚRGIO E OS DECOTES



"Muito mais, perdi eu com o processo – E que processo podes tu ter (dizia eu), tu não tens terra nem casa. . Meu amigo (disse ele), as donzelas desta cidade arranjaram, por instigação do diabo do inferno, uma espécie de corpete ou de cachecol alto que lhes escondia tão bem os seios que não se lhes podia meter a mão em cima, porque a fenda daqueles a tinham posto por detrás e era completamente fechado pela frente, coisa com que os pobres amantes, dolentes, contemplativos, não estavam muito contentes. Uma bela terça-feira apresentei requerimento ao Tribunal, constituindo-me parte contra aquelas donzelas, e mostrando o grande empenho que tinha no assunto protestei que, com a mesma razão, eu faria coser a braguilha das minhas calças no traseiro, se o Tribunal não o ordenasse. Em resumo, as donzelas formaram sindicato, mostraram os seus fundamentos e passaram procuração para defesa da sua causa; mas eu prossegui com tanta firmeza que, por decisão do Tribunal, foi dito que os cachecóis subidos não se usariam mais, a não ser que fossem fendidos um pouco à frente. Mas custou-me muito."

"Pantagruel" (Rabelais)


Panúrgio conta ao seu amigo Pantagruel o processo que teve em Paris, por causa dos decotes, no que podia ser um exemplo de privatização indevida de um bem público.

As companheiras de Lisístrata, em Aristófanes, faziam uma greve sexual contra a guerra intestina que enfraquecia os Gregos, mas as donzelas de Panúrgio não tinham motivo mais forte do que os caprichos da moda (os corpetes abertos, com Carlos V, foram substituídos pelos fechados e subidos com Francisco I).

Talvez que isto tenha alguma coisa a ver com a moda das silhuetas anorécticas…

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