"O Triunfo da Morte" (Pieter Brueghel)
"Centenas de mortos, sob a forma de esqueletos, de esqueletos muito activos, estão ocupados a puxar para si outros tantos vivos. São personagens de toda a espécie, tomados no seu conjunto ou no detalhe, reconhecíveis no seu estatuto social, presos num imenso esforço cuja energia ultrapassa em muito a dos vivos para os quais se voltam. Sabe-se alias que vão ter êxito na sua tarefa, mas eles ainda não o conseguiram. Estamos do lado dos vivos, de quem gostaríamos de reforçar o poder de resistência, mas ficamos perturbados por os mortos parecerem mais vivos do que eles. A vitalidade dos mortos, se se pode chamar assim, só tem uma finalidade: atrair a si os vivos. Eles não se dispersam, não empreendem ora isto ora aquilo, há só uma coisa que querem, enquanto que os vivos estão agarrados à sua existência de tantas maneiras diferentes. Cada um se encarniça em alguma coisa, nenhum se rende, não encontrei neste quadro nenhum fatigado da vida, é preciso arrancar cada um para o arrastar para aquilo a que não se quer submeter. Herdei deles esta energia na defesa e, muitas vezes depois, tive o sentimento de que eu era todas estas pessoas juntas que resistem à morte."
"Le Flambeau dans l'oreille" (Elias Canetti)
O quadro que tanto impressionou Canetti é "O Triunfo da Morte" de Pieter Brueghel que se encontra no Kunsthistorisches Museum de Viena.
A relação de forças aqui descrita, entre os vivos e os mortos, não é a duma batalha ou de uma guerra civil. A concentração da morte numa única tarefa tem tudo do reino industrial, duma espécie de taylorismo macabro que faz pender a balança, irremediavelmente, para o lado dos esqueletos.
Os vivos querem viver e, por isso, descuram a organização e a produtividade, coisas a que só se submetem forçados pela necessidade. Se olharmos para os enormes sucessos nos diversos campos em que podemos aplicar o nosso conhecimento e a nossa técnica, reconhecemos algo daquela obcecação dos mortos de Brueghel. É outra maneira de constatar o entrelaçamento entre a vida e a morte.
A morte como virtualidade ou como contrário da vida é, sem dúvida, demasiado abstracta, embora seja sob essa forma que alimenta os nossos mitos.
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