domingo, 18 de outubro de 2009

ANTI-PASCALIANA


Blaise Pascal (1623/1662)


"Ele desconhece de todo essa oposição, tão grave e tão mal definida, que deveria, três séculos depois dele, denunciar, entre o espírito de finura (finesse) e o de geometria, um homem inteiramente insensível às artes que não podia imaginar esta junção delicada, mas natural, de dons distintos; que pensava que a pintura é vaidade, que a verdadeira eloquência faz troça da eloquência; que nos embarca numa aposta onde afunda toda a finura e toda a geometria; e que tendo trocado a sua nova lâmpada por uma velha, se perde a coser papéis aos bolsos, quando é a hora de dar à França a glória do cálculo do infinito…"

"Introduction à la méthode de Léonard de Vinci" (Paul Valéry)


Pascal tinha razão em distinguir os dois espíritos. Mas o mesmo homem pode possuir ambos e ser sensível, em diversos graus, a um ou a outro. É o que quer dizer pensar com a cabeça ou com o coração. Um homem inteiramente cerebral seria uma espécie de monstro, e não faltam os falsos exemplos na história, por desconhecimento. Mas é justo considerá-lo cerebral por comparação com alguém mais intuitivo.

Valéry diz que não havia revelações para Leonardo, mas só problemas: "Um abismo fá-lo-ia pensar numa ponte." Talvez o mais relevante em Da Vinci fosse, de facto, o engenheiro, mas a que problema responde a sua pintura? Poderemos distinguir o seu gosto pela experimentação (que nos deixou obras tão precárias como a Ceia de Santa Maria delle Grazie) da ideia que transforma em pintura? Podemos imaginá-lo como um supremo artífice, senhor de todos os seus recursos, mas só inspirado pela ideia de experimentar?

O célebre sorriso da obra-prima do Louvre será como o Gato de Cheshire, um sorriso que aparece e desaparece, um sorriso sem corpo, emblema de que não há nenhuma psicologia por detrás, mas o vazio da perfeição?

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