"A igualdade presente na esfera pública é, necessariamente, uma igualdade de desiguais que precisam de ser 'igualados' sob certos aspectos e por motivos específicos. Assim, o factor igualizador não provém da natureza humana, mas de fora, tal como o dinheiro – para retomar o exemplo de Aristóteles – é necessário como factor externo para igualizar as actividades desiguais do médico e do agricultor. A igualdade política é, portanto, o oposto da igualdade de todos perante a morte que, como destino comum aos homens, decorre da condição humana ou da igualdade perante Deus -, pelo menos na versão cristã, na qual deparamos com uma igual pecabilidade inerente à natureza humana."
"A Condição Humana" (Hannah Arendt)
A História é esclarecedora sobre o facto dos homens não darem, ao longo dos tempos, o mesmo valor à igualdade na esfera pública. Isso, por um lado, deve-se, sem dúvida, à interpenetração do sagrado e do profano que fazia com que as diferenças mundanas fossem desvalorizadas perante a ideia, por exemplo, de que somos todos "filhos de Deus". Por maiores que fossem as desigualdades sociais e os desníveis de poder, a visão religiosa era suficientemente utópica e intemporal para que a lei comum que todos rege na vida e na morte prevalecesse. Mas quando a cortina desceu sobre o transcendente as desigualdades apareceram desamparadas no mundo político. Por isso se pode dizer que a ideia da igualdade é filha da Revolução, quando os homens, pela primeira vez, conceberam o sonho de que são senhores do seu próprio destino.
Arendt diz também que "do ponto de vista do mundo e da esfera pública, a vida e a morte e tudo o que comprova a uniformidade são experiências não-mundanas, anti-políticas e verdadeiramente transcendentes", o que nos leva a interrogar-nos sobre se a própria política, tal como a entendemos hoje, não nasceu (ou renasceu), também, com a Revolução.
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