Gonçalo M. Tavares
Há um contexto germânico no romance de Gonçalo Tavares que se situa algures no pesadelo do século XX. Não são só os nomes, que nada têm a ver connosco, também as "qualidades" de algumas personagens (nada se parece tanto com os nossos vícios como as nossas virtudes), o estilo de vida no hospício e depois na prisão em que Mylia cumpre a sua pena-destino. E é, evidentemente, o título que cita o salmo (137, 5-6) "Se eu te esquecer, Jerusalém, que seque a minha mão direita. Que a língua se me cole ao céu da boca, se deixar de pensar em ti, se não te preferir, Jerusalém, a todas as outras alegrias.". A cidade celeste é como a parte visível de um díptico, a outra é o Holocausto, que parece estar no fim (ou no princípio?) destas trajectórias mecânicas. O crime inexpiável é o do esquecimento. Numa das citações daquele salmo, Mylia refere-se ao hospício Rosenberg, onde foi "normalizada" e submetida a uma esterilização que correu mal. É essa violência que é pecado esquecer: "Se eu me esquecer de ti, George Rosenberg, que seque a minha mão direita". O livro é ainda mais negro por conhecermos a história dos campos. Essa esperança última, essa derradeira dignidade não encontrou ali também o aniquilamento?
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