quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O CANSAÇO DA ARTE


Céleste Albaret (1891/1984)


"Tão depressa ela (a frase da sonata) veio à memória como desapareceu e eu encontrei-me num mundo desconhecido, mas agora sabia, e tudo não cessava de mo confirmar, que esse mundo era um daqueles que eu não podia conceber que Venteuil pudesse ter criado, porque quando, fatigado da sonata que era um universo esgotado para mim, tentava imaginar outras igualmente belas mas diferentes, eu não fazia mais do que aqueles poetas que enchem o seu Paraíso de prados, de flores, de ribeiros, que são duplicados dos da terra."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


John Keats diz que "A thing of beauty is a joy for ever". Proust, mais psicólogo, admite que mesmo a mais bela das composições pode cansar. Podemos chegar a conhecê-la como os cantos da casa e enterrá-la num hábito.

No entanto, no tempo do romancista, não era fácil ouvir a música que se queria, quando se queria. Os que viram o filme de Adlon "Céleste" ou leram as memórias da sua governanta, sabem que algumas vezes pagou a músicos para tocarem em sua casa, só para ele.

Mas o mais interessante é o que acontece, neste caso, à sonata de Venteuil. Será possível que alguém se canse de "Guerra e Paz" e que a beleza que uma vez sentiu ao ler essas páginas só possam ser despertadas por algo do mesmo nível, mas diferente: "Anna Karenina", por exemplo?

A dimensão parece aqui vir ao caso. Ninguém pode ter todo o romance de Tolstoi no seu espírito, como pode ter uma frase musical ou mesmo uma sonata.

E talvez que sejamos nós que precisemos de mudar para continuarmos a ser sensíveis à beleza duma obra de arte ou duma composição musical quando as julgamos dominar.

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