"Mas eis a maneira como entendo que devamos disputar. Não quero disputas pro e contra, como fazem esses tolos sofistas da cidade e de outros lados; não quero, igualmente, disputar à maneira dos académicos por declamação, nem por números também, como fazia Pitágoras e como quis fazer Pico de La Mirandola em Roma; mas quero disputar por sinais somente, sem falar, porque as matérias são tão árduas que as palavras humanas não seriam suficientes para as explicar a meu gosto."
"Pantagruel" (Rabelais)
Thaumasto é um letrado vindo de Inglaterra para arguir contra Pantagruel sobre "problemas insolúveis, tanto de magia, alquimia, cabala, geomancia, astrologia, como de filosofia", mas é vencido pelo discípulo daquele, Panúrgio, através da simples mímica, em que as mãos se abrem ou se fecham e tocam esta ou aquela parte do corpo. "O Inglês não se atemorizou por isso e, levantando as duas mãos no ar, manteve-as de tal forma que os três dedos maiores apertavam a mão e passava os pulsos entre o dedo indicador e o médio, ficando os dedos auriculares na sua extensão; assim os apresentou a Panúrgio, depois acoplou-os de modo a que o pulso direito tocasse o esquerdo e o dedo mindinho esquerdo tocasse o direito."
Como é que desta muda argumentação, que os espectadores achavam tanto mais profunda quanto menos compreendiam, resultou uma conclusão tão peremptória a favor de Panúrgio é coisa que nunca saberemos e para a qual o autor se estava nas tintas.
Deve chegar-nos que este poder do ridículo atinja todo o género de ocultistas, esotéricos e sorbonícolas.
Um passo mais e saberemos ver em muitos dos nossos debates públicos, por detrás da linguagem a que por etiqueta política as pessoas se obrigam, a mesma mímica incompreensível que só se decide pelo absurdo.
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