"A reescrita do passado é dinâmica, virada para o futuro. Tem como função dar sentido ao presente, oferecendo um ponto de mira invejável a uma comunidade com razões para duvidar do seu porvir. É por isso que cada um dos episódios das Escrituras (cuja redacção se estende por sete ou oito séculos) fala a linguagem do século em que foi escrito, e não a do momento em que supostamente ocorreu."
"Deus, um itinerário" (Régis Debray)
Não é a história, portanto, que melhor dá conta do passado real (seria preciso uma arqueologia da imaginação), mas a literatura.
Segundo Debray, a reescrita do passado "não procede de uma vontade de enganar, nem do simples talento de efabulação (apesar das baleias e das trombetas…), mas de um instinto de conservação: a imaginação do grupo tem de retrabalhar a realidade, para não se cair na desesperança, ou no absurdo. Vale mais mentir a si próprio, para não morrer."(ibidem)
Staline, na sua maneira abrupta, ao apagar Trotski e outros revolucionários das fotografias oficiais, terá percebido isso, e era só preciso que a pátina do tempo selasse o seu "gesto escritural" para que a Revolução tivesse uma nova origem, mais consentânea com as aspirações do ditador.
Orson Welles dizia que o cinema é montagem. A memória dos povos também.
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