segunda-feira, 6 de julho de 2009

O CORTESÃO

Jean de La Bruyère (1645-1696)


"Ele não queria ver que desde há dezanove séculos ('um cortesão devoto sob um príncipe devoto teria sido ateu sob um príncipe ateu', disse La Bruyère) toda a homossexualidade de costume – a dos jovens de Platão como a dos pastores de Virgílio – desapareceu, que só sobrenada e se multiplica a involuntária, a nervosa, a que se esconde aos outros e se 'traveste' a si próprio."

"La Prisonnière" (Marcel Proust)


É a esta última homossexualidade que corresponderia um "afinamento das qualidades morais" que teria aberto "o universo dos poetas e dos músicos" ao barão de Charlus e fechado ao duque seu irmão.

Mas não há nenhuma predestinação nem superioridade inata neste apuramento da sensibilidade que nem é resultante duma tendência de género. Não é a influência do feminino que explica esse fenómeno, mas a solidão forçada, a perseguição e o esforço de camuflagem.

Há um paralelo que me parece evidente com a situação do judeu segregado, sobreconsciente da sua diferença.

O génio não está à partida mais concentrado no povo semita do que nos outros, no entanto, talvez a segregação e tudo o que ela implica ajude a compreender o facto dos filhos de Sem contribuirem para encher o panteão em maior proporção do que os outros.

Claro que em relação aos Charlus de hoje, a "qualidade específica" está em vias de desaparecer das estatísticas. É o regresso do costume.

O cortesão de La Bruyère, na sociedade moderna, é o próprio homo democraticus.

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