Prometeu
“A espera impaciente das surpresas, do inesperado ou de coisas aterradoras, mergulhava as pessoas num ligeiro estado de embriaguez. Para se poder superar tudo isso, para não se cair de uma vez por todas na confusão e aí permanecer, aqueles que viviam sem interrupção em Berlim habituavam-se a não levar nada a sério, sobretudo os nomes. (…) Este cinismo manifestava-se pela agressividade em relação a toda a pessoa que se distinguisse de que maneira fosse. Isso podia aparecer como a expressão dum ponto de vista político, enquanto que, na realidade, se tratava de algo de diferente, uma espécie de luta pela existência.”
“Le Flambeau dans l’Oreille” (Elias Canetti)
Cinco anos depois dos acontecimentos relatados nestas memórias, a república de Weimar afundava-se ignominiosamente. A doença cujos sintomas transparecem na descrição dos berlinenses de Canetti chegou à extremidade que se conhece.
A intolerância e o fanatismo, uma fé ardente, mesmo que na mais baixa das religiões, a da força, são um pólo de atracção quase irresistível no estado geral de descrença e desespero de que o cinismo é o melhor sinal.
Reconhecemos esse cinismo em vésperas da Revolução Francesa na influência dos grandes libertinos.
A sociedade é como um sistema energético e todas as crises libertam grandes energias até se atingir um ponto de estabilidade.
Do facto de, no teatro político, um velho actor atacar o “politicamente correcto”, podemos julgar do estado do cinismo.
Mas enquanto for teatro, há catarse (como diria Aristóteles).
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