O Campo de Concentração de Westerbork
"Eu sei que não é assim tão simples e, para nós judeus, menos ainda do que para os outros, mas se no despojamento geral do mundo do pós-guerra, só tivermos os nossos corpos salvos com sacrifício de tudo o resto e não esse sentido novo jorrando dos mais profundos abismos da nossa miséria e do nosso desespero, será muito pouco. Do recinto mesmo dos campos, novos pensamentos deverão irradiar para o exterior, novas intuições deverão estender a claridade à sua volta e, para além das nossas prisões de arame farpado, juntar-se a outras intuições novas que se terão conquistado fora dos campos com igual preço de sangue e em condições tornadas pouco a pouco igualmente penosas."
"Lettres de Westerbork" (Etty Hillesum)
Quantos terão como esta corajosa pequena holandesa, conservado o espírito, no meio das provações, e, sobretudo, um coração isento de desespero e de recriminação (nem sequer a pergunta de Job a Deus: que mal é que eu te fiz?), mas acreditando até ao fim que "cada situação nova, seja ela melhor ou pior, comporta em si a possibilidade de enriquecer o homem de novas intuições." Menos de um ano depois destas linhas terá passado pelas chaminés de Auschwitz e as últimas palavras escritas de que temos conhecimento são as do bilhete atirado do vagão da morte para o desconhecido.
É certo que ainda em Westerbork, Etty gozava duma situação especial que lhe permitia ir algumas vezes a Amsterdam donde escreveu as cartas, talvez por isso consiga falar ainda no pós-guerra e na responsabilidade do testemunho, como se houvesse ainda futuro para ela, sem se sentir no fim do mundo como um Primo Levy.
Mas não é esta fé contra os factos que nos leva a superar o individualismo e o absurdo da existência? Não é a morte, nesse sentido, a obrigatória ilusão que nasce duma perspectiva apenas humana?
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