terça-feira, 28 de julho de 2009

FÚRIA DE PINTOR


O Marechal de Villars


"Entre tantos defeitos, não seria justo negar-lhe algumas qualidades. Tinha-as de capitão; os seus projectos eram ousados, vastos, quase sempre bons e mais adequados de quaisquer outros à execução e aos diversos manejos de tropas; de longe para esconder os seu intuito e de as fazer alcançar o objectivo, de perto para se colocar e atacar. O golpe de vista, embora bom, não tinha sempre a mesma justeza, e na acção a cabeça tinha clareza, mas era sujeita a demasiado ardor, e por isso mesmo a embaraçar-se. O inconveniente das suas ordens era extremo, quase nunca por escrito, e sempre vagas, gerais, e, sob o pretexto da estima e da confiança, com propósitos exagerados, reservando-se sempre os meios para se atribuir todo o sucesso e de lançar os fracassos sobre os executores."

"Saint-Simon" (Mémoires)


Este retrato de Claude Louis Hector duque de Villars (1653/1734) segue o modelo plutarquiano, pesando os defeitos e as qualidades da personagem nos pratos da balança. Mas aqui, o reconhecimento de algumas qualidades militares é desdito a seguir pelo seu inconveniente "extremo", e o que releva é uma grande fraqueza de carácter.

Sainte-Beuve, referindo-se a estas páginas das "Mémoires" fala em "fúria de pintor" que impediria de reconhecer as verdadeiras cores do homem, o qual nos é retratado como "um monstro de vaidade, de malfeitoria e sorte, uma caricatura." Para este literato, tudo o que de bom se pôde dizer depois sobre o marechal de Villars não aguentava a comparação com "este magnífico retrato em feio, onde Saint-Simon derramou todos os seus ardores e o seu amargor."

Outras tantas pistas para se perceber donde vem a "fúria de pintor" e a razão dum retrato tão desequilibrado ou a aplicação do método psicológico caro a um crítico literário tão denegrido por Proust?

Eu, por mim, avanço outra teoria que é a da dinâmica do próprio estilo. Há pessoas que não sabem deixar passar a ocasião para colocar um dito espirituoso, mesmo à custa da justiça e da verdade.

Em muitas circunstâncias, são as palavras que decidem por nós.

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