quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

DO CIÚME AO AMOR



"Mas a armadura intelectual que em mim tinha ligado estes factos, todos falsos, era ela própria a forma tão justa, tão inflexível da verdade que, quando, três meses mais tarde, a minha amante (que então pensava passar toda a sua vida comigo) me deixou, foi duma maneira absolutamente idêntica àquela que eu havia imaginado da primeira vez."

"Albertine disparue" (Marcel Proust)


Tal como na petição de princípio, partimos, muitas vezes, dos nossos receios ou dos nossos desejos para a observação dos factos. A nossa imaginação vai recolhendo e distorcendo as informações que nos chegam daqui e dali procurando levá-las a concordar com a conclusão que já tirámos. Lemos sempre o que queremos ler.

Mas quando a "armadura intelectual" se revela, enfim, a forma justa encontra, normalmente, o nosso corpo preparado para a mudança.

Marcel diz, no entanto, que essa foi a maior infelicidade da sua vida, acrescentando que, apesar disso, o sofrimento foi ultrapassado pela curiosidade de conhecer a causa (os novos interesses de Albertine).

É por isso, talvez, que a imaginação não aplanou o caminho à desgraça que ia suceder. É que, no seu caso, a segurança, o apaziguamento do ciúme, que dependiam do que ele sabia ou julgava saber de Albertine, eram mais importantes do que o amor.

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