quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

COLAPSOS


Adolf Hitler (1889/1945)


"Hitler não é um bárbaro, prouvesse a Deus que fosse! Os bárbaros, na sua devastação, só fizeram males limitados. Como as calamidades naturais, destruindo, eles recordam ao espírito a insegurança das coisas humanas; as suas crueldades, as suas perfídias, à mistura com actos de lealdade e de generosidade, temperados pela inconstância e o capricho, não colocam em perigo nada de vital naqueles que sobrevivem às suas armas. Só um Estado extremamente civilizado, mas baixamente civilizado, se se pode exprimir assim, como foi Roma, pode levar àqueles que ameaça e àqueles que submete a decomposição moral que não somente quebra à partida toda a esperança de resistência efectiva, mas rompe brutal e definitivamente a continuidade na vida espiritual, substituindo-lhe uma má imitação de medíocres vencedores."

"Réflexions sur la barbarie" (Simone Weil)


A citação é longa, mas é do melhor da filosofia weiliana. Esta ideia de criar uma antinomia dentro da própria civilização, nunca foi, realmente, aprofundada, mas ajuda-nos, talvez, a compreender o colapso da Alemanha e o poder do partido nazi.

A comparação com Roma que, para Simone, é o pólo oposto da Grécia Antiga, sugere-nos que o germe da "baixa civilização" poderia estar naquilo que foi a glória do império romano: a organização do Estado, o direito e as comunicações. Um sistema com a sua própria racionalidade que, como se viu no século XX, podia ser "capturado" por uma lógica exterior à da sua reprodução burocrática e passar a ser um instrumento de outra coisa, como a guerra e o anti-semitismo.

A Alemanha da grande música e dos grandes poetas e filósofos não era, certamente, uma "baixa civilização", e nela teve lugar até uma espécie de renascimento da Grécia, mas todo esse génio dependia duma cultura e duma tradição que a crise económica e social dos anos vinte completamente destruiu.

Tal como Napoleão emergiu do caos revolucionário e através da guerra levou o Estado a um novo patamar de centralização e eficácia, o cabo austríaco foi investido do poder absoluto pela primeira grande crise do capitalismo. Parece, assim, que o caos é tão destruidor como a mais baixa das civilizações, porque também ele corta a continuidade com o passado.

Se a proposta de Simone Weil tem sentido, na contingência que é a de qualquer civilização de cair abaixo do concebível, pode-se dizer que a sociedade moderna cairá de menos alto, na medida em que os indivíduos gozarem de menos autonomia e que o passado for cada vez mais informação, um ficheiro, como álibi e meio de poder, em vez de inspiração de vida.

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