terça-feira, 20 de maio de 2008

GATOS E LAGARTOS


Charlotte Corday, o assassinato de Marat - Jean Joseph Weertz


"Era um estranho objecto. O seu trajo, ao mesmo tempo requintado e sujo, era menos de um homem de letras do que de um charlatão da rua, de um vendedor da banha-da-cobra, como de facto ele havia sido. Era uma labita que em tempos fora verde, sumptuosamente guarnecida de uma gola de arminho amarelada que ainda trazia o cheiro do seu velho doutor. Feliz escolha de cores que se casava às maravilhas com o tom acobreado da pele, e que, de longe, podia fazer tomar o doutor por um lagarto."

"História da Revolução Francesa" (Jules Michelet)


Assim o grande historiador descreve Marat, levado pela multidão em triunfo à Convenção, onde rosnou estas ferozes palavras, dirigidas aos seus inimigos na assembleia: "Tenho-os agora na mão. Irão também em triunfo, mas a caminho da guilhotina."

Somos transportados para o meio da cena tumultuosa que Michelet recria com grande dramatismo.

A análise dos grandes movimentos, a interpretação política e social também estão lá, mas como as monótonas descrições da técnica baleeira em Melville que criam tensão e espaço para o drama.

Para o seu teatro, Michelet serve-se muitas vezes da máscara do animal que nos representa o instinto como que imobilizado e assim dispensa qualquer preparação psicológica.

Robespierre é o gato, dissimulado e imprevisível. Marat a criatura das caves onde alimenta o seu fanatismo, é o lagarto que aparece um momento à luz do dia antes de se refugiar na sua fenda. Barthes disse tudo sobre esta escrita.

Literatura e da melhor. Mas pode a História compreender o passado sem o recurso da arte?

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