Deleuze e a filha Emilie, 1972
Na única entrevista, ao que julgo, de Gilles Deleuze à televisão, em 1988, já doente e como se falasse para a posteridade, o filósofo aborda variadíssimos temas a partir dum abecedário proposto pela jornalista.
Entre eles, a ideia do anti-Édipo que descreve o inconsciente como uma fábrica (do desejo) contra a do teatro freudiano e a amizade, nomeadamente, a que o ligava a Félix Guattari.
A sua noção duma amizade de que se devia desconfiar sempre, embora o amigo seja também aquele que nos faz rir, dá que pensar. Suponho que a razão dessa desconfiança seja a de que existe na amizade uma tentação para aceitar o outro tal como ele é e de, com isso, frustrar o seu desejo de se superar, de anular essa "tensão para um valor".
Muito original é a sua definição do escritor como o que escreve em vez dos que não podem escrever, ou que não têm acesso à linguagem, como os analfabetos, os idiotas e os animais.
Aqui há uma ideia muito profunda que é a do artigo indefinido: não se escreve sobre o pessoal, mas sobre o mundo; quando um grande escritor retrata a sua infância, o que tem valor é tratar-se de uma infância.
Os animais são um dos elos essenciais da nossa ligação à natureza e ao mundo. Escrever por eles é, evidentemente, o mesmo que tentar compreender essa relação.
Uma das coisas que mais seduz no entrevistado é a expressão das suas antipatias, quer elas sejam literárias, quer políticas. O adjectivo imonde assoma algumas vezes e abre todo um campo de susceptibilidade quase aristocrática.
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